Coluna

2016

Ela acordou com o telefone tocando, um bem antigo, de fio, com o toque estridente, que não tocava desde os anos 1980. Alguma coisa havia acontecido na Terra e era urgente. Completamente desperta, pegou o fone e colocou no ouvido. Não precisou nem falar alô, do outro lado a voz anunciou:

– Você vai precisar ir pra Terra resolver as coisas por lá. Bowie está voltando.

Ela olhou na folhinha pendurada na parede, que sempre existiu e sempre foi renovada e viu a data: 11 de janeiro de 2016. Porém, o que chamou atenção foi o fato da folhinha ter poucas páginas sobrando. Realmente alguma coisa estava muito errada, o equilíbrio havia sido quebrado, os humanos precisariam de ajuda.

Enquanto jogava algumas roupas numa mala velha e surrada, gritava para alguém no quarto do lado:

– Anda! Levanta! Precisamos ir pra Terra. Bowie está voltando, o equilíbrio foi quebrado.

Do outro quarto, uma voz sonolenta falou:

– Não se preocupe, no final do ano tem um filme novo do Star Wars, o equilíbrio será restaurado.

Irritada, ela abriu a porta com um chute e respondeu:

– Não é um novo Star Wars, é uma história do universo da saga, não temos certeza se irá restaurar o equilíbrio. Precisamos ir até lá. Muito antes disso vai acontecer os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, pode ser uma catástrofe enorme e nunca mais nos deixarão cuidar de um Século sozinhos. Passamos o Século XX inteiro treinando para cuidar do XXI e em 16 anos tudo pode acabar? Não! Temos que descer!

– Na verdade, recebi um telegrama essa semana avisando que a Coreia do Norte realizou testes nuclear, não quis te alarmar, mas com a volta do Bowie…

– Tá vendo??? Corre, se arruma, temos que descer! Precisamos chegar antes de março!

– E pra onde vamos?

– A ordem é para que nosso posto seja no Rio de Janeiro, parece que lá será o epicentro do caos.

Já era agosto, faltava muito pouco para começar as Olímpiadas no Rio de Janeiro. Estavam na Terra desde março, quando fizeram um desvio pela Bélgica para amenizar o sofrimento pelo atentado no aeroporto. Enquanto controlavam o surto de Zika no Brasil, para que não tomasse o mundo, precisaram responder porque não conseguiram controlar o ataque em Orlando. Seus superiores ficaram bravos e tristes, não entendiam porque o mundo se dividia cada vez mais.

Havia internet, cada vez mais informação. Mandaram as musas trazerem a ideia da Netflix para a Terra, para unir os povos através de filmes e séries. Mas mesmo assim o ódio se propagava. Parecia que os Cavaleiros do Apocalipse ganhavam novos rostos: Preconceito, Homofobia e Misoginía. Será que o equilíbrio nunca seria restaurado? Agosto trazia uma nova esperança, os povos se uniriam num mesmo lugar, na cidade mais alegre e receptiva possível: o Rio de Janeiro.

Por quase dois meses pareceu surtir efeito. As pessoas estavam alegres, se uniam através dos esportes, e as Paralimpíadas trouxeram um sopro de esperança para eles. Muitos passaram a entender e tolerar o que era diferente deles. A mulher e o homem começaram a achar que 2016 teria salvação, aquele não seria o pior ano. Além da energia positiva das Olímpiadas, tudo indicava que uma mulher seria a responsável pela maior potência do mundo. Além disso, a Marvel conseguira se superar com o lançamento do filme do Doutor Estranho. Mais uma vez Benedict Cumberbatch havia sido acionado para equilibrar a energia do mundo.

– Ainda bem que em janeiro volta Sherlock, pelo menos 2017 já tem janeiro assegurado. Nada ruim pode acontecer no mesmo mês que o mundo concentra a atenção em Cumberbatch. – Comentou a mulher.

– Mas há rumores que Doctor Who só volta em abril de 2017. – Completou o homem.

– Qual o problema com esses ingleses??? Primeiro todo aquele fiasco de decidir sair da União Europeia, agora um ano inteiro sem Doctor Who? Não há milagres que resolvam! Daqui a pouco vamos ter que pedir pro Michael voltar.

– É, mas lembrei também que o Stephen King só lançou um livro esse ano.

– Para de me assustar!

Tudo parecia controlado no mundo ocidental, mas seus superiores mandaram que eles prestassem atenção em Aleppo, na Síria. Uma sangrenta e horrível Guerra Civil acontecia por lá e precisaria de atenção total. Estavam por lá, tentando fazer o impossível, toda atenção voltada para aquele sofrimento, seria preciso reforços para controlar a situação. Foi quando receberam a notícia: Donald Trump havia sido eleito presidente dos EUA.

Na mesma hora o celular da mulher tocou. Era Michael Stipe, da banda R.E.M., perguntando se já podia anunciar sua música “It is the end of the world as we know it (and I feel fine)” como o hino oficial de 2016. Ao mesmo tempo, o homem conversava com Thom Yorke, do Radiohead, que sugeria escrever algo mais sombrio e depressivo como hino oficial de 2016. Os dois se entreolharam em desespero e partiram de volta para as Américas.

Infelizmente, no caminho, precisaram parar na Colômbia e acolher as almas dos jogadores do time Chapecoense, assim como de alguns jornalistas que estavam com eles. Foi um momento muito doloroso, muito triste e a mulher começou a perder a esperança. Aquele ano estava perdido, e eles tinham só mais um mês para salvar o Século.

Na banca, ao lado da revista Times com a foto de Trump, na capa, como o homem do Ano, estavam jornais brasileiros contando o que o Governo decidira fazer com seu povo, congelando 20 anos de investimentos em educação e saúde. Os dois sentaram em um banco na praça, desolados, pensando em voltar e entregar seus cargos, quando a mulher lembrou:

– O sangue de São Januário! Rápido! Precisamos ir até Nápoles!

Após descobrirem que o sangue não se liquefez e que aquele não era um bom sinal, os dois decidiram ir ao cinema ver Rogue One, antes de voltarem para casa e entregarem seus cargos para pessoas mais experientes. A mulher ainda especulou que dois eventos cataclísmicos, acontecendo no mesmo ano, poderiam anular um ao outro:

– De repente o sangue não liquidificou para poder anular a morte do David Bowie, que começou todo esse caos em 2016.

A verdade é que no fim de Rogue One, a mulher e o homem decidiram continuar na Terra, pelo menos para assistir a queima de fogos na virada do ano em Copacabana. O filme mostrara a eles que sempre deve se ter esperança. Que o Luke iria encontrar o Obi Wan Kenobi, o Han Solo, a Leia e os Rebeldes para destruir a Estrela da Morte. Ali, eles entenderam que às vezes é preciso passar por mudanças, por tempos ruins, para conseguir alcançar coisas positivas, e que a esperança deve sempre permanecer.

Essa crônica é minha forma maluca de desejar que 2017 traga muita esperança a todos nós! Um Feliz Natal e até ano que vem!

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