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A impossível faca da memória

Antes de mais nada, é essencial entender um fato sobre meu posicionamento perante a leitura: não preciso me identificar com o protagonista para acreditar em sua história, ser impactada por suas batalhas, entender suas falhas. Dito isso, uma das minhas autoras favoritas é Laurie Halse Anderson, uma mulher que consegue falar sobre temas muito pesados com uma escrita única. Ela escreve o que chamamos no mercado de “crossover YA”, ou seja, um livro com protagonistas adolescentes, mas que pode (e deve) ser lido por leitores de todas as idades. É um livro que “viaja bem” para outras idades, digamos assim.

Anderson escreveu um dos livros que mais gosto na vida, “FALE!” (Editora Valentina, tradução de Flávia Carneiro Anderson), que trata de um dos temas que mais abomino, o estupro. Mas a escrita de Anderson é tão impactante e equilibrada que é impossível não querer ler tudo que ela escreve. Não leio pelo amor aos personagens, embora sejam perfeitamente imperfeitos, nem porque me identifico com os temas – graças a Deus não sofri essa violência ou transtorno mental ou alimentar -, mas porque ela é a pessoa mais indicada no mundo para escrever sobre tudo isso. Ela entende e ela explica como ninguém o que jovens passam, o que adultos temem, o que ninguém quer abordar, mas que precisa ser berrado aos quatro ventos. Laurie, te amo!

Depois de “FALE!”, li “A impossível faca da memória” (Editora Valentina, tradução de Heloísa Leal) para o Clube do Livro e não me desapontei. Embora tenha sido mais impactada pela narrativa do primeiro livro dela que li, esse aqui é tão potente em termo de temática e entrega. Também narrado em primeira pessoa, nossa protagonista nessa história é Hayley, uma menina que vive na estrada com o pai, caminhoneiro e veterano de guerra. Logo no início do livro, conhecemos o humor sarcástico e observador de Hayley e logo ali eu me peguei pensando “tô contigo até o fim, garota! Vamos lá!”. Hayley vai estudar em uma escola pela primeira vez, depois de ficar para cima e para baixo com o pai. Ele, por sua vez, está em busca de algo mais estável para a filha, mas sua jornada vai muito além de paternidade solo: o pai de nossa protagonista sofre de stress pós traumático e depressão profunda e é esse o grande tema do livro.

Enquanto acompanhamos Hayley lidando com jovens da sua idade, fazendo novos amigos (e alguns não tão amigos assim), tendo o primeiro crush, sua luta maior é com a escuridão dentro do coração do seu pai, a pessoa que Hayley ama muito e quem a ama muito também. Então Laurie Halse Anderson nos apresenta ao poço escuro que é a depressão e como ela afeta não somente a quem sofre desse mal, mas a toda a família.

“A impossível faca da memória” não é um livro leve, como nenhum escrito por essa autora incrível é. Mas é um livro absolutamente necessário, como todos que saem da mente de Laurie para as páginas. Não sei ao certo se esses textos seriam considerados gatilhos, Laurie prepara muito o leitor a cada cena, não pulando no escuro e jogando uma situação traumatizante no nosso colo. Acho que seus livros fazem o oposto, eles curam mais do que abrem feridas. Mas se você não tem certeza se está em um momento legal ou preparado para ler agora, deixa o título na lista a ser “adicionado ao carrinho de compras”, mas espera para ler… só não desista. Ler Laurie Halse Anderson é saber que não estamos sozinhos.

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