Coluna

A ira da Medusa

Quando eu era pequena fiquei obcecada pelo mito da Medusa desde que vi o filme Fúria de Titãs. Aquela mulher temida pelos mais bravos heróis, com cabelos de serpentes e um olhar tão poderoso, que poderia transformar qualquer pessoa em pedra. Considerada um monstro da mitologia grega, a famosa personagem da mitologia grega tem uma história trágica: foi estuprada por Poseidon, ainda humana, no templo de Atena, que a transforma num monstro e a exila. Para, no fim, ser morta por Perseus, que leva sua cabeça decepada como um troféu. Uma história horrível, que explica bem porque a Medusa é considerada o símbolo da fúria feminina atualmente.

Nunca vi a Medusa como um monstro, sempre como uma figura feminina poderosa, capaz de destruir até o maior dos heróis. A foto acima é de uma escultura do artista plástico Luciano Garbati, que ficou famosa em 2008 por mostrar a Medusa com um olhar sério, uma espada em uma mão e a cabeça de Perseus na outra. Uma imagem poderosa, que redime o mito e que traduz com bastante perfeição o que é ser mulher. Perseus teve todas as vantagens e ajuda possível para chegar até Medusa e destruí-la, enquanto que ela só podia contar com seu poder. A imagem de uma Medusa vencedora é com certeza inovadora e poderosa, bem representativa dos novos tempos.

Olhando pra trás, vemos outros mitos, lendas e histórias que também descrevem mulheres fortes, poderosas como monstros e vilãs. Aqui mesmo no Cheiro de Livro já conversamos sobre nossas vilãs favoritas e observando cada uma delas percebemos que seus “pecados” estão diretamente relacionados à detenção de poder. Carolina Pinho adora a Malévola (e quem não?), a prima distante e poderosa do rei que não é convidada para o batizado da princesa Aurora. Claro que o poder da Malévola incomoda o rei, e claro que ela não deixa isso barato. Vai lá, amaldiçoa a bela princesinha e prova todo seu poder. A história não acaba bem pra ela, mas pelo menos ela provou do que é capaz. A Rainha Má da Branca de Neve, vilã favorita da Frini Georgakopoulos, é a rainha do reino, tem uma enteada chatinha, que todo mundo insiste que é muito mais bonita do que a própria Rainha. Bom, a menina é bem mais nova, nunca teve uma preocupação na vida, e a Rainha ao invés de ser deixada em paz para governar na boa, precisa ficar se preocupando com intriga. A Rainha Má é um bom exemplo das mulheres mais velhas que são cobradas o tempo todo da sociedade que elas têm que permanecer jovens, magras e lindas. Para Diego Pale, Úrsula é uma vilã menosprezada, porque ela não quer ser bela, nem ir numa festa de criança, ela quer poder. Imagina, uma mulher querer poder? Vilã! Claro! Sua representação no desenho da Pequena Sereia é de uma mulher com tentáculos, novamente uma representação monstruosa. A última vilã que quero mencionar aqui é a minha favorita: a Rainha de Copas, que governa um reino mágico, que ela pode deixar como quiser. Aí vem uma menina xereta e quer mudar a casa dela. Na verdade, a menina até quer ser amiga dela, mas quem disse que mulheres podem se unir? Envenenada pela ideia de que mulheres têm que ser inimigas, a Rainha de Copas manda cortar a cabeça da Alice. Não seria muito mais interessante se elas realmente virassem amigas e se fossem contra o Chapeleiro? O País da Maravilhas seria o País das Maravilhosas.

Brincadeiras a parte, é bem triste perceber que crescemos não apenas escutando que temos que ser princesas lindas, bem comportadas e boazinhas, que esperam pelo Príncipe Encantado vir nos salvar, como também que se tentarmos vencer sozinhas, por mérito próprio, isso significa que somos monstros, mulheres horríveis que merecem ser vencidas (mortas até). Da Medusa, passando pelas vilãs dos Contos de Fada, precisamos parar e refletir que temos que quebrar essa corrente negativa, que merecemos ser poderosas, ser rainhas, mandar em nosso próprio mundo. A figura da Medusa com a cabeça de Perseus é a melhor representação de que não vamos mais aceitar essa “regra”, que vamos colocar nossa raiva para fora e que vamos usar nossos poderes sim, sem culpa e sem medo de sermos punidas.

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