Coluna

A leitura diária

Sentei em frente ao computador para escrever uma coluna sobre leitura, livros e todo esse universo que abordamos aqui no Cheiro de Livro e a página continuava em branco horas depois. Não conseguia encontrar uma ideia se quer para desenvolver, na verdade, cada vez que alguma coisa começava a se desenvolver na minha cabeça minha atenção era atraída por mais uma matéria de jornal, mais um post, mais um comentário sobre a atual crise política, ou melhor, o mais recente desdobramento dessa crise política permanente em que vivemos há quase três anos. Depois de muito deliberar comigo mesmo resolvi parar de lutar e abraçar o fato de que só vou conseguir falar, ou no caso, escrever sobre a realidade e não o universo da ficção.

Leio muito, vocês sabem, livros se acumulam por todos os lados da minha casa, mas nenhuma página deles se compara com a quantidade de noticias que leio diariamente. Entre literatura e jornalismo, a literatura perde, e de muito, do jornalismo quando o quesito é leitura. Leio diariamente dois jornais impressos (eu leio a versão digital, mas vocês entendem o que eu estou dizendo) inteiros e isso não é um efeito da crise, faço isso desde que decidi, na adolescência, que o que queria fazer da vida era jornalismo. A crise aumentou a minha dieta diária de noticias, além dos jornais impressos tenho uma gama de sites de notícias de todas as vertentes políticas que acesso e leio e como a atual situação nacional  nos apresenta com “uma temporada inteira por dia” como diz a repórter da Globonews Andreia Sadi, eu ainda assisto compulsivamente os canais de notícia.

Quanto mais mergulho nos meandros da vida real mais tenho certeza que não há enredo fictício louco que chegue aos pés do que estamos vivendo e não há nada tão louco na ficção que não possa se tornar realidade. A maior problema é que interpretamos as notícias com os olhos de nossas preferências políticas e temos a tendência a demonizar os que pensam diferente de nós e a endeusar os com quem concordamos. Essa dinâmica existe desde que o mundo é mundo e foi muito agravada com as novas tecnologias e a nossa capacidade de se fechar em nossas bolhas onde todos concordam com conosco. Viver na bolha dá um conforto, uma noção de pertencimento, afinal ali todos concordam com você, pensam como você e agem como você. Bolhas são confortáveis e um perigo, elas nos fazem esquecer que no mundo mais pessoas divergem de nós do que concordam conosco, nós fazem perder a capacidade de nos colocar no lugar do outro, de ver o mundo de outra maneira e entender o diferente. Bolhas minam a nossa capacidade de empatia, exatamente o maior e mais maravilhoso efeito da literatura.

Pessoas tem visões diferentes do mundo e não há nenhuma que seja certa ou errada, são apenas visões diferentes. Elas podem ser progressistas ou retrógradas, não importa, devem ser respeitadas mesmo que você discorde violentamente do que está sendo dito. Quando se demoniza ou se ironiza uma opinião, uma visão de mundo, você está alienando alguém ou um grupo e não está contribuindo em nada com o debate. Sentar, ouvir e debater qualquer questão, ainda mais no ambiente atual, é quase impossível, eu sei, mas se existe qualquer saída para a crise e a descontaminação do ambiente é pelo diálogo. Passa por nos ouvirmos, por debatermos e mesmos que cheguemos a conclusão que a única coisa em que concordamos é de que discordamos já é um avanço. Sentar e ouvir o outro é sinal de respeito a divergência. O mundo é plural e diverso, é por essa pluralidade que todas as heroínas e heróis de distopias lutam, até na literatura o mal é sempre o pensamento único.

O que vai acontecer no mundo e principalmente no Brasil nesse ambiente radicalizado eu não faço a menor ideia, acho que ninguém faz. Teremos uma guerra por causa da política externa do presidente Donald Trump? Até a eleição em outubro de 2018 o Brasil terá tido quantos presidentes? Perguntas cada vez mais difíceis de responder, me resta me informar bem além da minha bolha, dialogar o máximo que puder com pessoas com as mais diversas visões de mundo e seguir lendo, porque no final das contas não importa o que acontecer eu terei que viver nesse mundo e eu tentarei sempre contribuir para a melhora dele.

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3 thoughts on “A leitura diária
  1. O q vai acontecer mo mundo? Mistééério… Ahahaha… Na minha opinião de hoje, um fator determinante pode ser o THAAD americano. Se funcionar a contento pode haver guerra nas Coréias com grandes extensões, senão não acredito. O impasse no mundo se reflete aqui, a mesma crise de liderança e de valores, mas com outra configuração. Eu tento ler muito, mas vc lê bem mais. Ahahaha.. 🙂
    Gostei da coluna!

  2. Boa noite, Carolina!

    Muito bom seu texto. Estamos mesmo sem rumo definido.
    Enquanto lia, lembrei-me de uma passagem de crônica que fiz sobre a situação política brasileira: “O noticiário e, consequência dele, as discussões presenciais e em redes sociais mostram que não temos a mínima ideia sobre o que falamos. As certezas nascem e morrem no mesmo dia, e o que sobra quase sempre é uma disputa de versões, sugerindo que o brasileiro é constantemente alheio à condução da sociedade em que vive – recebe as informações que lhe são permitidas receber e da forma que convém a quem as oferece.”
    Já virei leitor e seguidor do Cheiro de Livro

    Abraço

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