King é Rei

A Metade Sombria

Quando Thad Beaumont tinha 11 anos ganhou um concurso de contos de uma revista para adolescentes, mas no mesmo ano tirou um tumor bem estranho do cérebro. Anos depois, Beaumont é um escritor famoso que ganhou fama sob o pseudônimo de George Stark, e escrevia livros policiais sobre o serial killer Alexis Machine. Quando vem à tona que Stark na verdade é Beaumont, o escritor decide enterrar seu pseudônimo com direito a foto na revista People, onde aparecem ele e sua esposa, Elizabeth, ao lado da lápide de mentira de George Stark. Porém, Stark ganha um corpo físico e sai da cova atrás de vingança no melhor estilo Machine, levando o xerife da cidade de Castle Rock a achar que Beaumont cometeu os crimes.

Stephen King tem seus clássicos: “Carrie”, “O Iluminado”, “A Dança da Morte”, “Christine”, “O Cemitério”, quase todos do início de sua carreira, quando ele brilhou pelos anos 1980. Mas há um trio de livros, lançados entre o fim dos anos 1980 e o início dos 1990, que considero sua melhor fase. São livros introspectivos que mostram um autor bem mais maduro e em constante luta com seus demônios. São elesMisery – Louca Obsessão, A Metade Sombria e Trocas Macabras.

Lançado nos Estados Unidos em 1989, A Metade Sombria (The Dark Half) foi o segundo livro mais vendido naquele ano no país e ganhou uma adaptação (muito boa) para o cinema em 1990, dirigida por ninguém menos que George A. Romero. King usou de inspiração sua experiência: por alguns anos, escreveu livros sob o pseudônimo de Richard Bachman porque seus editores achavam que ele iria saturar o mercado lançando dois livros por ano. Porém, com o sucesso de “A Maldição”, o público descobriu que Bachman e King eram a mesma pessoa e King manteve o pseudônimo por apenas mais alguns livros, até anunciar a morte de seu pseudônimo na dedicatória de A Metade Sombria: “Ao falecido Richard Bachman”.

Apesar de escrever, na maioria das vezes, histórias independentes, é muito claro que King criou um universo próprio onde habitam todos os seus personagens; um universo paralelo que existe ali pelo Maine, para onde ele vai quando escreve e para onde envia seus demônios. Grande parte de suas obras são inspiradas em sua vida ou observações de pessoas que passaram por sua vida. É estranho pensar que livros tão obscuros possam ser inspirados na vida de alguém, mas para ele a escrita era a fuga perfeita para um viciado em heroína e alcoólatra. Há um pouco da alma de King em Jack Torrance (“O Iluminado”), há um pouco de King em Paul Sheldon (“Misery”), mas há muito de King em Thad Beaumont e em George Stark.

Volto a insistir no trio Misery, A Metade Negra e Trocas Macabras, porque acredito que eles se complementem como uma autoavaliação de King sobre seus vícios. Os três livros foram escritos e lançados na época em que sua família decidiu que era hora dele parar, de procurar ajuda para que não terminasse sozinho ou morto, sendo A Metade Sombria o mais “autobiográfico” dos três, já que Beaumont pode muito bem ser King lutando com seu lado sombrio que quer voltar e tomar conta de vez.

Ao entender todo o contexto, é impossível não achar o livro genial, o que já é por ele mesmo. É um dos livros mais sombrios de King, com uma história contada de forma bem dinâmica, o que é raro para ele, que gosta de detalhes e desenvolver bem seus personagens. Mas Thad não precisa de apresentação porque, conforme o livro avança, fica mais claro que Beaumont é mais um alter ego de King. Há uma empatia instantânea com Beaumont e sua família perfeita, mas esse é o ponto onde King mostra sua genialidade, porque ele faz o caminho inverso, deixando dúvidas sobre seu personagem, desconstruindo-o a partir do ressurgimento de seu lado obscuro. Stark parece ter vida própria, mas será mesmo que ele é uma manifestação física ou ele existe apenas na mente de Beaumont?

A Metade Sombria estava esgotado no Brasil, mas foi relançado esse mês pela Suma de Letras na Coleção Biblioteca Stephen King, com capa dura e conteúdo extra, além de tradução primorosa de Regiane Winarski. É um de seus livros menos conhecidos por aqui, principalmente porque foi lançado bem próximo de “Misery”, que teve um hype muito maior, mas que merece ser conhecido e lido.

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