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A voz de Chimamanda

A primeira vez que a Chimamanda foi chamada de feminista foi por um grande amigo dela, e ele não tinha intenção de elogiá-la. Foi, na verdade, uma crítica. Como se a palavra carregasse um peso de responsabilidade pela divisão entre homens e mulheres atualmente. Isso foi há muitos anos e durante muito tempo ela se viu num mundo de pessoas que atribuíam definições equivocadas à palavra “feminismo”. Como se uma feminista fosse alguém infeliz, que não arranja marido e devesse odiar os homens, odiar sutiãs, e, no caso dela, odiar a cultura africana.

Em sua palestra mais famosa, Chimamanda fala sobre sua visão sobre a educação que damos aos nossos filhos e filhas e o quanto ainda contribuímos para a desigualdade dos direitos da mulher e do homem; o desserviço que prestamos aos rapazes, principalmente, ensinando-os a terem medo de ter medo, sufocando a humanidade deles, dizendo a eles que fraqueza e vulnerabilidade são inimigas da masculinidade e que a mulher ser submissa ao homem é uma questão cultural. Nós alimentamos essas expectativas relacionadas ao sexo, ao gênero. Compactuamos com os preconceitos e com as grades que nós mesmos criamos para os nossos comportamentos. “A cultura não faz as pessoas nem dita como agimos, nós é que criamos a cultura”, diz ela. “Então, por que, ao criar nossos filhos, não valorizamos mais os interesses e habilidades de cada um em vez do gênero?”

Eu tenho mais de trinta anos e, às vezes, me parece impossível arrancar certas convenções, certos preconceitos, do meu comportamento. É um exercício diário. Assim como Chimamanda, eu busco sempre desaprender as lições de gênero que internalizei quando pequena e, assim como ela, apesar do esforço, ainda me sinto vulnerável às expectativas de gênero. As mulheres são diminuídas, menosprezadas, ignoradas e julgadas por serem elas mesmas e não quem a sociedade espera que elas sejam e isso vem contaminando nossas mentes há tanto tempo, moldando nossa visão de mundo, que eu até me surpreendo quando surge uma mulher corajosa como a Chimamanda, que não apenas enxerga isso, mas, apesar da opressão, consegue se fazer ouvir. E ela não está sozinha ao criticar a forma como os homens aceitam esse tipo de comportamento e não se questionam sobre a questão do gênero.

A gente precisa desconstruir tudo o que aprendeu sobre as “obrigações” das mulheres e dos homens. A mulher não precisa ser o sexo frágil nem o homem precisa ser o sexo bruto. Não somos uma coisa só. Somos o equilíbrio de tantas variáveis… Nenhum gênero é melhor que o outro. Se sabemos disso, por que a gente continua menosprezando ou um ou outro em piadas “inofensivas”? Alimentando uma cultura venenosa?

Se minha voz não significa nada ou se você acha que minha interpretação disso tudo é uma completa asneira, escute ao menos a de Chimamanda Ngozi Adichie. Autora de Hibisco Roxo, Meio Sol amarelo, Americanah e outros livros e contos, Chimamanda acredita na transformação dos seres humanos e na nossa capacidade de nos tornamos melhores, e eu acredito em Chimamanda. <3

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