Coluna

As próteses

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Nessa semana que as Paralimpiadas estão dividido o noticiário me lembrei de um pequeno causo que vivi há uns anos. Estava preenchendo a ficha de internação para operar o olho e uma das perguntas que tinha era : “você tem alguma prótese?” No automático preenchi não. Quando a enfermeira veio pegar e ler o papel perguntou “Ué,a senhora não está operando o segundo olho? Então tem prótese sim”. Ela tinha toda a razão, eu tinha preenchido a ficha errada e nem sequer tinha reparado, minhas próteses (hoje são duas) fazem tão parte de mim que nem sequer lembro que elas não me pertencem desde sempre.

Nasci com catarata congênita, na adolescência ela começou a afetar a minha visão e os óculos passaram a fazer parte do meu eu. Nos meus vinte anos passei a ter só 20% de visão em um dos olhos e foi a hora de operar o olho esquerdo. Essa operação foi um desses momentos que mudam a vida. Fui perdendo a minha visão aos poucos e me adaptando a isso, pegava ônibus errado porque não via lá muito bem o número deles, lia poucas paginas por vez porque me cansava com rapidez, ler legenda em cinema era o terror, enfim eu me virava. Foi só quando tirei o tampão do olho que percebi o quanto perdia do mundo, o quanto não via há anos e nem sabia.

Quando pude usar meu olho esquerdo com cristalino artificial, minha primeira prótese, todo um novo mundo se descortinou. Primeiro eu descobri como via mal e como o meu olho direito, o que eu achava que era ótimo, era bem mais ou menos. Depois comecei a reparar nos detalhes que não via, olhei pela janela e pela primeira vez Niterói, do outro lado da Baia de Guanabara, estava com contornos definidos, peguei um livro e consegui ler horas a fio. Passei a enxergar o mundo ao meu redor, cores, formas, detalhes. Não dá bem para explicar como é descobrir que não se via quase nada e ao mesmo tempo conseguir ver e enxergar.

A operação no outro olho veio uns anos depois, não foi tão reveladora, não me livrou dos óculos e mesmo assim me deu algo que é fundamental para que esse blog funcione há quase seis anos: ler sem óculos e por incontáveis horas sem prejuízo algum. Pegar um livro e as letras na página não fugirem, embaralharem ou embaçarem é o que as minhas queridas próteses me proporcionam no dia-a-dia e eu nem reparo ou lembro que elas estão ali, uma maravilha sem tamanho.

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