Coluna Saiu das páginas

A forma da água

Sempre fui fascinada por monstros. Desde pequena, assistia filmes de terror escondida, sonhava em conhecer Conde Drácula e achava a Criatura de Frankenstein, o Lobisomem e o Fantasma da Ópera incompreendidos. Quando cheguei à adolescência, minha heroína era Buffy, a Caça-Vampiros que, por sua vez, também era apaixonada por um vampiro. Hoje, mais velha, meu amor pelos monstros – principalmente os clássicos – continua forte e entendo que os verdadeiros vilões são muito reais e se escondem por trás de outras máscaras, sorrisos e falsas promessas.

Quando vi o trailer de “A forma da água” eu sabia que me apaixonaria pela história. Afinal, a mulher se apaixona por um “monstro”, que nada mais é do que um ser diferente,  mas que a compreende por inteiro, sem julgamentos e retorna sua afeição. O monstro aqui é outro, é humano e é doentio e tão, tão próximo de pessoas que conhecemos ou que sabemos que ocupam lugares de prestígio em governos e empresas.

Eu sabia que amaria o filme porque Guillermo Del Toro me entende. Ele também é apaixonado por monstros e todos os criados por eles têm essência humana. E, por muitas vezes, seus humanos são monstruosos. Del Toro vê o diferente como único, o fora do padrão como extraordinário e isso é de fácil identificação, pelo menos para mim. O sobrenatural ou “não natural” é um desafio para que possamos entender nossa essência, nossos medos e verdadeira face. Seríamos monstros ou heróis? Será que existem somente essas duas classificações? Será que deveríamos ser classificados?

Num mundo repleto de violência, corrupção e assédio, é fácil ver que nossos monstros reais usam ternos bem cortados, têm poder e nenhuma consciência. Fazem o mal porque podem, porque os beneficia e ponto final. Ah, você pode estar achando que estou falando de 2018, né? Também, mas esse cenário é o do filme “A forma da água” também, que se passa durante a Guerra Fria.

DAQUI EM DIANTE, TERRITÓRIO MINADO COM SPOILERS!

Um diferencial em “A forma da água” é que rola sexo, gente. Rola sexo e masturbação e não, não é vulgar ou nojento ou fora de contexto. Foi totalmente coerente com a personagem e com a história. A protagonista é uma mulher metódica, mas romântica e que mora sozinha. Ela cuida do seu próprio nariz e por que não de suas necessidades, não é mesmo? Assim que vi a cena, estranhei, mas depois achei o máximo mostrar a realidade: mulheres têm suas necessidades e fazem o que podem e querem para tê-las atendidas.

Na parte do sexo, a estranheza também deu lugar a aceitação. De início achei estranho porque sou romântica e o relacionamento dos dois para mim era quase que endeusado, sabe? Mas aí pensei: “poxa, mas toda forma de amor leva a algo mais e vai levar eventualmente ao sexo. Por que com eles seria diferente?”. E embarquei na viagem novamente.

Ao mostrar esse lado de desejo sexual de uma mulher e de um ser “diferente”,  Del Toro dá um tapa na cara do preconceito, do julgamento. Todo mundo merece ser amado e ser feliz e por que, então, que pessoas que fogem da chamada “norma” seriam diferentes? Por que a gente reclama de mulheres solteiras e que fazem o que bem entende da vida, de homossexuais? Todo mundo – sem exceção – tem o direito de ser feliz e o deve de ser respeitado. E Del Toro passa essa “lição” sem ser moralista, mas criativamente.

Por falar em homossexualidade, temos um personagem gay na história e que é um querido: o vizinho da protagonista. Ele, por sua vez, é apaixonado por um rapaz que trabalha em uma lanchonete e que acaba sendo um racista homofóbico. Dá raiva, dá dó e dá muita vontade de meter a mão na cara do sujeito. Por que? Porque conhecemos o vizinho, acompanhamos seus dilemas e inseguranças também, sendo ultrapassado no trabalho e com o coração pedindo para ser amado. E a personagem que é amiga da nossa protagonista? Poderosa, ela sofre com o marido machista, mas não deixa de colocá-lo em seu lugar.

Ou seja, em “A forma da água”, os monstros são variados, mas nenhum tem escamas, sacaram?

Outra coisa que é importante destacar é que “A forma da água” é uma fábula e não uma história aleatória com monstros. E exatamente por ser uma fábula, seu final é aberto para interpretações e, é claro que eu já fiz a minha escolha.

“A forma da água” recebeu 13 indicações para o Oscar e é o primeiro filme de “monstros” a ser indicado a melhor filme. Exatamente por ele não tratar de “monstros”, mas sim de Monstros. Tem lobby no meio? Tem. Tem vamos-dar-o-prêmio-para-ele-para-assim-bater-na-cara-do-Trump? Tem. Tudo isso diminui o impacto e a importância do longa? NÃO! Assistam e deixem aqui suas impressões.

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