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Maravilhosa e Soberana – Histórias da Beija-Flor

Todo o carioca, ou pelo menos a maioria, tem um time de futebol e uma escola de samba para que torce. Pode não acompanhar os desfiles ou a apuração, mas tem aquela escola de que gosta mais. Meu coração se divide entre o verde, branco e grená do Fluminense com o azul e branco da Beija-Flor de Nilópolis. Na minha biblioteca particular tenho vários livros sobre o meu time de futebol, muitos de Nelson Rodrigues, e nada da minha escola. Na verdade, tenho poucos livros sobre escolas de samba. Acho isso uma lacuna na minha coleção. Quando li que a editora Verso Brasil estava lançando uma coleção chamada “Cadernos de Samba” e que entre eles tinha um livro sobre a Beija-Flor, vibrei e fui às compras.

Nos anos 2000 a Beija-Flor foi seis vezes campeã e, como lembra Francisco Bosco no prefácio, “toda a hegemonia acaba por produzir algum nível de antipatia”, a mesma antipatia com que a Imperatriz sofria na década de 1990. A Beija-Flor é a escola técnica, desfila para ganhar o carnaval e não para encantar plateias, tem os sambas enredo complexos, muitas alas coreografadas e não levanta o público, mas é sempre favorita. Os integrantes passam cantando e sambando como em nenhuma outra escola. É, ao mesmo tempo, um espetáculo chato e incrível de se assistir.

“Maravilhosa e Soberana”, referencia ao samba exaltação escrito por Neguinho da Beija-Flor, é escrito por um torcedor, o jornalista Aydano André Motta e é uma ótimo livro para quem quer conhecer a escola de Nilópolis. É uma grande reportagem que passa pelos polêmicos carnavais da década de 70, que tinham enredos favoráveis ao regime militar como “Educação para o Desenvolvimento”, os dois carnavais (1986 e 1989) que marcaram os desfiles e foram derrotados e, principalmente, o carnaval de resultado adotado de meados da década de 1990 que tem à frente Laila.

Sem uma ordem cronológica Aydano vai mostrando como a escola da menor cidade da baixada Fluminense conseguiu acabar com a hegemonia de Portela, Salgueiro, Mangueira e Império na década de 1970 usando a genialidade do responsável por uma das revoluções pelas quais os desfiles passaram, o grande Joãosinho Trinta. Mostra como ele largou o Salgueiro e mergulhou de cabeça no projeto da Beija-Flor. Foi uma época de muita inovação, os primeiros títulos e de desfiles históricos.

Todo mundo lembra do desfile “Ratos e Urubus larguem minha fantasia”, o do Cristo de lixo. Foi um desfile impressionante e completamente diferente. Eu lembro de assisti-lo pela TV e sei o samba até hoje. É um desfile emblemático, mas como mostra o livro tem um desfile anterior, de 1986, que é tão marcante para a escola e para seus torcedores. O enredo era “O Mundo é uma Bola”, quando a escola entrou na avenida caiu um diluvio e a escola não parou, pelo contrario, seus integrantes redobraram a garra, do que viria a ser conhecida como a força da comunidade da escola, e mesmo com a avenida alagada fizeram um desfile que empolgou. Minha segunda mãe, moradora de Nilópolis e responsável por eu ser torcedora da escola, estava lá e sempre conta que perdeu todos os documentos na chuva durante o desfile. A escola perdeu, levou um 8 em evolução que causou muita polêmica.


Além de relembrar essas histórias Aydano conta muitas outras, fala de como começou a força da comunidade de Nilópolis que é, indiscutivelmente, um dos trunfos da escola na avenida. Mostra como a escola passou a ser a escola a ser batida em todo o carnaval. Mostra seus integrantes ilustres como a Porta-Bandeira Selminha Sorriso e a passista careca Pinah. Para quem gosta de carnaval, não só da Beija-Flor, é uma viagem na memória de grandes desfiles e grandes momentos.

Lendo lembrei dos dois momentos mais marcantes que vi na Marquês de Sapucaí, incrivelmente nenhum dos dois foi protagonizado pela minha escola do coração, mas era ela que me levou a avenida por anos. O primeiro é um momento trágico no desfile de 1992. A Viradouro vinha com um enredo sobre os ciganos e, nessas tragédias que volta e meia ocorrem no desfile, um carro começou a pegar fogo, quase na minha frente. Uma cena inesquecível, os bombeiros trabalhando para apagar o fogo e os integrantes chorando o carnaval perdido. Para completar a memória, a escola seguinte a desfilar era a Beija-Flor com um enredo sobre a TV, o abre-alas era tão iluminado que parecia um novo incêndio.

O segundo é uma ótima lembrança, a única vez que vi uma apoteose na avenida, o desfile do Salgueiro em 1993 e o seu “Peguei um Ita no Norte”, foi um desfile inesquecível, com um samba maravilhoso. A Sapucaí inteira cantando, a escola saiu ovacionada e não havia duvida de que seria campeã.

Acho que esse é o grande mérito do livro do Aydano, lembrar os grandes carnavais e reverenciar as pessoas que fazem toda a festa. Esse é só o primeiro livro da série, já lançados há um sobre a Portela e outro sobre escolas menores e antigas que sobrevivem com todas as dificuldades. Os outros livros já estão na pilha para serem lidos. “Maravilhosa e Soberana” é uma ótima leitura para os que gostam de carnaval, não só para os torcedores da Azul e Branco de Nilópolis.

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