Livros Resenhas

O Presidente Negro

presidenteÚnico romance adulto de Monteiro Lobato.

Não sou dessas leitoras formadas na infância pelos livros de Monteiro Lobato, pouco assisti  “ O Sítio do Pica Pau Amarelo” na TV, só fui ler “ As Reinações de Narizinho” adulta. Há anos li sobre um romance adulto de Lobato que era uma distopia, fiz uma anotação mental e agora, finalmente, tirei-o da pilha e fui ler, é perturbador.

O romance, o único adulto que escreveu, é uma distopia que não é distopia. Um dos elementos de uma distopia. Um dos elementos da narrativa despótica é a participação dos personagens nos eventos, eles são agentes da mudança, pertencem aquele mundo. No livro de Lobato isso não existe, os personagens principais só observam os acontecimentos e não tem como interferir nos eventos.

A sinopse é simples, Ayrton, um trabalhador do comercio no Rio de Janeiro, conhece o Professor Benson e sua filha Alice. Benson criou uma maquina capaz de ver o futuro, Alice conta para Ayrton o que viu da disputa presidencial nos Estados Unidos no ano de 2228. A explicação cientifica para o experimento é, de longe, a parte mais chata do livro.

No começo do livro Ayrton trabalha no Rio de Janeiro e tem como sonho ter um carro.   É uma parte leve em que Ayrton discorre sobre a diferença entre ser motorizado ou pedestre, é sensacional o que Lobato fala sobre a mentalidade dos motorizados, poderia facilmente ser transportado para os dias de hoje e a relação entre carros e ciclistas. Essa parte tem pouca relação com o desenvolvimento do restante do livro, mas por si só já vale a leitura.

Toda a sociedade mostrada em distopias, sejam em livros mais clássicos como “1984” ou bem mais recentes como “Jogos Vorazes”, é aterrorizante, cada uma de seu modo. A sociedade criada por Lobato consegue ser mais perturbadora do que todas. Nos EUA imaginado por Lobato a sociedade era formada só pelos melhores e sãos, todas as crianças nascidas com alguma deficiência física ou moral eram mortas, as fronteiras estavam fechadas e brancos e negros não se misturavam, os negros tinham se submetido a um tratamento para clarear a pela. Uma sociedade tão despótica como em qualquer distopia, certo? Errado, os EUA continuam sendo uma democracia e o país mais desenvolvido da terra, essas leis são vistas pelos personagens como a solução para o atraso.

No romance, as eleições de 2228 nos EUA era uma disputa entre três partidos: o dos homens brancos; os das mulheres (apenas as brancas) e o dos negros. Homens e mulheres estavam em pé de guerra e os negros seguiam a margem da disputa mas como o fiel da balança para as eleições. A teoria do partido feminino é uma das mais malucas que já li, mas para um livro escrito na década de 1920 colocar a disputa das mulheres por igualdade já é interessante. A rivalidade entre homens é mulheres é interessante, mas no final descamba para uma visão que traduz melhor a mulher daquela época.

Voltando a disputa presidencial, homens e mulheres se digladiam e o partido negro acaba elegendo seu representante, o presidente negro do título do livro. O processo eleitoral é interessante, todos votam em suas casa em um sistema interligado e o resultado sai em minutos. Lobato aqui previu a internet, as urnas eletrônicas e o sistema automatizado de contagem de votos. Se você não quer saber spoilers sobre o final do livro pare de ler aqui.

O que se segue a vitória do presidente negro parece algo saído da cabeça de um líder nazista. Os lideres brancos montam um plano para esterilizar todos os negros e assim acabar com a raça, literalmente. O que faz dessa historia tão perturbadora é como Lobato pinta todo esse cenário. Nas muitas distopias que li os governos autoritários são descritos como o inimigo, aqui não. Aqui é tudo descrito como o melhor dos mundos, Ayrton e Alice concordam que os EUA tem a sociedade perfeita, não existe critica ao apresentado, tudo é aceito com a maior normalidade, é até celebrado e é isso que faz essa leitura ser tão perturbadora. Como em 1926 Lobato já previa, de certa forma, a solução final advogada por Hitler e como em seu livro não há nenhuma ressalva a isso.

Esse é um desses livros pouco falados que deveriam ser lidos, deveriam ser debatidos. Fala sobre que sociedade queremos e como chegaremos a ela.

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