Coluna

O tempo que a gente congela ou gente congelada no tempo?

Sabe aquele dia que você não quer ir pra casa? Você só quer sair do trabalho, andar sem rumo, esbarrar com pessoas aleatórias que te fazem pensar na vida por alguma perspectiva nova?

Eu fiz isso hoje. Eu saí andando sem saber muito para onde ia. Eu vi a rua sendo engolida por cidadãos apressados, franzindo a testa, levando muito a sério o fato de que precisavam chegar em casa; eu vi o metrô apinhado de gente de todas as cores e tipos – mais sorrisos à noite do que se encontra pelas manhãs. Eu vi o céu com nuvens, sem saber se ia chover ou não. Eu vi um monte de coisa que a gente vê todo dia e vi também algumas coisas que mexem com a gente, embora não nos surpreenda. Mas o que mais me chamou atenção foi a senhora que vi atravessar a rua olhando para o chão, encurvada. Ela provavelmente não olhava mais para cima. Talvez não olhasse mais para o céu em busca das estrelas na cidade grande iluminada havia muito tempo. Talvez ela não pudesse mais por conta da coluna.

A velhice é estranha. A gente passa anos das nossas vidas vivendo, adquirindo experiências, mas sempre pensando no futuro e no que queremos fazer quando tivermos mais tempo e mais dinheiro… como se o futuro fosse mais presente do que o presente que vivemos.

Lá na frente, depois de ter atravessado a rua e andado uma boa parte da calçada até a marquise, talvez tenha achado que ia chover, ela parou. Ela parou do nada e no meio da rua. Uma moça bem mais jovem que estava logo atrás teve que se desviar no último segundo e um rapaz a alguns metros de distância olhou para a velha, achando a cena estranha, mas não se demorou nem três segundos nela. Depois que viu que a moça se desviou e a velha continuou ali, parada, como se houvesse sido congelada por alguém invisível, o homem desviou o olhar e seguiu seu caminho.

A velhinha fez uns movimentos com a boca. Eu estava do outro lado da rua, bem longe, e não sei se ela tentava dizer algo, se sequer algum som saía de sua boca, mas vi que ninguém parava para verificar. Ninguém parecia ter a curiosidade aguçada como a minha, completamente hipnotizada por aquela pessoa de cabelos brancos, enrugada e corcunda.

A rua seguia seu fluxo, como torrentes sanguíneas… cada uma das pessoas, o cara de chinelo e bermuda, o casal de mãos dadas, o rapaz de blusa social e sapato, todos eles caminhavam em direção a um objetivo, a determinação em alcançá-lo estampada no rosto da maioria. A seriedade em fazê-lo, assustadora. A velhinha, no entanto, não parecia ter um objetivo, muito menos um propósito, ela parecia apenas congelada no tempo.

Olhei para baixo, pensativa, decidindo se atravessava a rua ou não, e foi nesse segundo que, de relance, vi alguém parar para ajudar a velha e foquei meu olhar nela novamente. Um jovem de barba aparada, cabelo arrumado, na casa dos trinta, apoiou uma das mãos no ombro da senhora, que olhou para ele, um tanto desorientada. Ele a segurou pela mão, aproximou a orelha do rosto dela para escutar o que ela dizia e a guiou em seguida pela rua, seguindo pelo cantinho da calçada perto das lojas, sempre debaixo da marquise. Talvez ele a conhecesse, talvez não. Mas ele parecia saber o que estava fazendo, ou mesmo o que ela queria.

Então, eu relaxei, ainda que a imagem da velhinha congelada no tempo tenha ficado congelada na minha mente. Me peguei pensando… A gente quer tanto viver pra sempre, se agarrar o máximo possível ao que a vida tem para nos oferecer, até o momento que a gente deixa de querer. E prefere apenas se congelar no tempo.

Dei dois passos em direção a minha casa e começou a chover. Em vez de correr para a marquise para não me molhar, fiquei ali parada, absorvendo a água por alguns segundos, imaginando como seria, se eu também congelasse…

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