Coluna

Óculos

Quando fui operar catarata pela primeira vez o médico me perguntou: “você quer ler sem óculos ou quer andar na rua sem ele?” Não pestanejei e optei por ler sem óculos. A minha escolha fez com que passe boa parte do dia de óculos e ao mesmo tempo me proporciona algo que considero quase poético.

Passei anos perdendo gradativamente a visão a ponto de nem me dar conta que via muito mal. Quando operei meu olho esquerdo via apenas 20% e nem me dava conta. Não tem muito como explicar o que é tirar o tampão do olho e ver com nitidez depois de anos é uma dessas experiências únicas. Para um leitora inveterada como eu o melhor foi ser capaz de ler dezenas de páginas por dia ao invés das poucas que conseguia antes de operar. As letras fugiam, as palavras embaralhavam e era um esforço seguir envolvida em tramas, romances e histórias.

Eu adoro uma fala do Wim Wenders no documentário “Janela da Alma” em que ele diz que só poderia ser cineasta tendo passado a vida vendo o mundo enquadrado pelos aros dos óculos. Nunca tinha pensado dessa forma e é exatamente assim mesmo, o mundo só é em foco dentro dessa janela com lente, fora dele tudo é meio borrado e faz pouco sentido. Diferente de quem usa lente, as pessoas de óculos precisam virar a cabeça para ver nitidamente qualquer coisa. Isso faz com que exista apenas um foco de visão e que o todo se perca em meio ao desfoque. Olha que a minha visão ainda é bem estranha, cada olho enxerga uma distancia diferente o que faz com que meu cérebro organize as coisas e eu consiga ter uma visão meia boca da meia distancia em diante. Direito mesmo eu só vejo de perto.

O único momento em que eu consigo ver o todo, não ter limites para a minha visão é quando estou lendo e é essa a poesia que vejo. Ler é uma prática que expande horizontes, amplia visões, faz com que exercitemos a empatia. Realmente não cabe limitadores a leitura.

 

 

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