Coluna

Para quem o agora tem espaço?

Dia desses, postei uma poesia meio capenga naquela rede social lá maluca sobre o agora não ter espaço para mim. Eu estava irritada, Marielle tinha acabado de ser assassinada, li e ouvi muito discurso de ódio, o que me deixou ainda mais irritada, e tentei expressar da melhor forma possível o meu lamento ao momento em que estamos vivendo. Quem tiver interesse, eu coloquei a “poesia” ao fim deste post.

Quando eu penso em revoluções, em mudanças, eu vejo grupos de pessoas insatisfeitas, cansadas de um sistema que as manipula e abusa, se unindo para romper essa realidade. Quando eu digo que no agora não existe espaço para mim, não é que eu não faça parte desse grupo que busca mudanças, apenas que eu não tenho a voz decidida que a maioria precisa e que muitos dizem ter. A única certeza que eu tenho é de que um dia meu corpo vai parar de funcionar e a vida que eu conheço vai deixar de existir.

Eu jamais poderei dizer que sei a verdade, o que é certo e o que é errado e que conheço o melhor caminho para todo mundo. Se eu disser isso, estarei mentindo. E a impressão que eu tenho é de que, por pensar assim, sou descrente em relação a quem diz que sabe. Não gosto de certezas. Minha memória é boa o suficiente para saber que nós mudamos o tempo todo, nos adaptamos e trocamos nossos discursos de acordo com nossa realidade e viés, e sua certeza de hoje pode ser uma dúvida amanhã. E o curioso é que, qualquer ambiente que eu vá, escola, escritório, mesa de bar, a maioria prefere escutar aquele que fala mais alto e tem certezas. A maioria prefere se autoafirmar com opiniões que aprovem seu viés. São poucas as pessoas que querem discutir e de fato se colocar no lugar do outro. São mais raras ainda as pessoas que não querem ter razão, apenas entender.

Na poesia, acabo criticando que o espaço agora é para quem quer gritar, que se arma com palavras afiadas, fecha os punhos e tem opinião formada. Porém, isso é tão ruim assim? Tudo bem que eu prefiro ser tolerante e ouvir, tenho uma visão empática do mundo e pondero muito antes de agir, mas será que o mundo precisa de gente assim? Eu adoraria, afinal, confirmaria meu viés e eu teria a autoafirmação que nós humanos gostamos de buscar.

Na poesia, a princípio, pode parecer que abraço a ideia de um mundo intolerante, mas no fundo é só mais um lamento por estarmos vivendo um período tão sombrio e violento. Sim, eu prefiro a paz, a conversa e a troca de experiências sem julgamento, até porque sou bastante curiosa, mas sei que boa parte da nossa evolução se deve justamente à capacidade que temos de julgar e nos proteger e defender do perigo. Então, é lógico que questiono alguns comportamentos meus quando julgo de menos. Eu não sei se tolerância demais é uma coisa boa. Afinal, extremismos não costumam oferecer resultados positivos. Dizem que pra tudo tem que existir um equilíbrio, né?

Pode ser que o agora tenha espaço para mim… quem sabe? Ou eu que vou acabar me adaptando e me transformando para caber nele? Por estar irritada e cansada e falando sobre isso aqui no site, talvez eu já seja uma dessas vozes atormentadas e decididas de que tanto critico.

#Fui

***

O agora não tem espaço para mim

O agora não tem espaço para gente que pede silêncio,
tolerância e respeito, empatia. Não tem jeito.
O tempo não se abre para o desertor da guerra,
precisa estar no caminho oposto da paz.

Saber o que faz, ter opinião formada,
seguir em frente de punhos fechados, munido de palavras afiadas.
O agora precisa de mudanças radicais
De mentes atormentadas

Se colocar no lugar e na consciência
de quem mergulhou em apatia;
Duvidar de si mesmo, ponderar ou dormir?
agora não é hora
a não ser que você queira partir

O agora não tem espaço para mim;
que tolero, me entrego, não exijo, me divido em mil pedaços
e faço pouco caso de mim

O agora não tem espaço para gente que pede calma,
que pede segredo, que vive sem medo.
O tempo e o lugar é do agora
e o agora como antes é de quem é mais forte.
O espaço que existe não tem paciência,
não quer saber se você tem vida, o que importa é a sua morte.

O agora não tem espaço para mim;
que tolero, me entrego, não exijo, me divido em mil pedaços
e faço pouco caso de mim

O agora é do singrar de vozes,
tempo de ocupar os espaços vazios e dormentes;
O agora não tem espaço para mim,
pois eu quero ouvir
e o agora precisa falar

Quando o agora partir
e quando o fôlego da tolerância se recuperar
eu estarei aqui
para receber o espaço
que o agora certa vez me fez abandonar

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