Coluna Livros

Pessimistas Esperançosos

A Ficção Científica convive com uma eterna contradição: a esperança trazida pela tecnologia e o receio com o que os seres humanos serão capazes de fazer com ela. Mesmo os mais otimistas sempre mostraram uma pontinha de preocupação.

Júlio Verne teve seu momento mais pessimista escondido durante 130 anos. Paris no Século Vinte, escrito em 1863, foi um de seus primeiros livros. Mas o editor achou a história absurda e pessimista demais, e disse que acabaria com a carreira de Verne, que vinha do sucesso de Cinco Semanas num Balão. O manuscrito foi pro cofre, e só foi encontrado por um bisneto e finalmente publicado em 1994.

É uma obra com várias previsões perfeitas: é passada  num 1960 com computadores, carros a combustão interna, trens eletromagnéticos, até uma espécie de internet. Mas é um mundo vazio, com a cultura vulgarizada, e toda a importância dada às corporações e ao lucro. E um herói com um destino trágico. É decididamente um Verne muito diferente, e hoje estudiosos discutem se o editor Jules Hetzel não censurou ou amenizou esse lado crítico de Verne em outros livros.

Ilustração de H. Lanos para “O Dorminhoco”

O sucessor direto de Verne, H. G. Wells, era um socialista Fabiano com grandes esperanças para a sociedade. Mas logo de cara em A Máquina do Tempo (1895) mostrou uma sociedade distópica terrível, dividida entre os ingênuos Eloi e os brutais Morlocks, que têm uma relação de dependência que Wells extrapolou a partir das divisões de classe da era Vitoriana. Wells descreveu utopias em diversos livros (A Modern Utopia, Os Dias do Cometa, Men Like Gods, The Shape of Things to Come). Como um dos principais pensadores da sua época, às vésperas da Segunda Guerra chegou a discutir o futuro da humanidade com Roosevelt e Stalin. Mas também sabia que a Utopia de uns é a Distopia de outros, como em O Dorminhoco (Carambaia, trad. Alcebíades Diniz), em que a sociedade está claramente dividida entre uma elite próspera e um submundo onde vivem os trabalhadores.

Nem Isaac Asimov escapava de um certo receio. No clássico Fundação, o Império Galático de um futuro distante está à beira do colapso. Um grupo de cientistas tem um plano para reconstruir a sociedade e abreviar a época de trevas que está por vir. Nada dura para sempre, a não ser a necessidade de lutar pela liberdade.

É como dizia Ray Bradbury a respeito de sua obra-prima distópica Fahrenheit 451: “Eu não estava tentando prever o futuro. Estava tentando evitá-lo.”

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