Livros Resenhas

Porno

Irvine Welsh está ao lado de Chuck Palahniuk e Nick Hornby entre os meus autores favoritos do fim da adolescência e início da vida adulta. Curioso escolher três escritores bem masculinos para me influenciar, mas a escrita de todos eles transcende a barreira do gênero e fala sobre ser adulto e lidar com o mundo adulto sem ter a mínima ideia do que está acontecendo. Todos eles têm obras adaptadas para o cinema que se tornaram filmes marcantes, Hornby é responsável por “Alta Fidelidade”, Palahniuk por “Clube da Luta” e Welsh por um dos meus filmes favoritos: “Trainspotting”, que, no meu ranking pessoal, perde só para “Casablanca” (ok, os outros dois também fazem parte do meu hall de filmes favoritos), ao lado dos filmes, esses também são livros que adoro e que me fizeram pensar e repensar muitas coisas.

Trainspotting é o primeiro romance de Welsh, lançado em 1993. Seu estilo cru e honesto de contar história, na verdade várias, sobre um grupo de jovens do Leith, Edimburgo, na Escócia, deu a Welsh o status de um dos melhores autores contemporâneos dos anos 1990.  Com a adaptação para o cinema, ele, o diretor Danny Boyle e o roteirista John Hodge tornaram-se os “porta-vozes” da geração de vinte e poucos anos daquela época. Com estilo “sujo”, que leva para as páginas de seus livros a forma que os seus personagens realmente falariam se existissem, com um sotaque forte, gírias, palavrões e um senso de humor bem peculiar. Se bem, que ao ouvir o escritor falar, você percebe que ele escreve como ele fala.

Muita gente tem receio em relação à Trainspotting por causa do vício em heroína de seus personagens, todos no início dos seus vinte anos e sem muita perspectiva de vida, mas não há uma apologia às drogas, o livro apenas reflete a realidade que Welsh conviveu, a do jovem classe média pobre, sem muita perspectiva de vida, que encontra nas drogas conforto e poder. A partir dessa realidade ele debate todo o papel dessa geração que não parece se preocupar com o futuro e curtir viver intensamente o agora. Com esse livro, Welsh transgride forma e conteúdo, ao levar a linguagem das ruas para o seu livro e falar de uma realidade bem pesada sem nenhuma preocupação moral.

Então dez anos se passam, os personagens ainda sofrem consequências dos acontecimentos do primeiro livro e Welsh decide que agora, no meio dos trinta anos, Sick Boy e companhia precisam de dinheiro. Qual a melhor opção? Fazer um vídeo pornô com a ajuda de estudantes de cinema. Simon continua sua vida de pequenos golpes e agora é dono de um pub em Leith. Spud está casado e com um filho, mas enfrenta uma enorme dificuldade em largar as drogas, mesmo com a ajuda do AA. Begbie é solto por bom comportamento e Renton é dono de uma boate de sucesso em Amsterdam. Além dos quatro amigos, Welsh nos apresenta Nikki, uma estudante de cinema londrina que mora em Edimburgo e trabalha numa sauna para poder se manter. O livro é contado pelo ponto de vista de cada um desses cinco personagens, cada um com sua voz e estilo, o que torna o livro ainda mais rico. O que me fez pensar no trabalho que deve ter dado para os seus tradutores, Daniel Galera e Daniel Pellizzari, que fizeram um trabalho incrível em conseguir transmitir o estilo de Welsh muito bem para o português.

Mas, de volta a Porno, esse é um reencontro divertido, recheado de rancor, vingança, mas também nostalgia e reflexões. Mas é Nikki a personagem que mais chamou minha atenção, porque os quatro rapazes são típicos caras de um bairro pobre que precisam ser durões para levarem a vida pra frente. Begbie é quase asqueroso, o que me levou a refletir várias vezes sobre o machismo que existe no livro.  Simon e Begbie são machistas ao extremo, mas de uma forma bem caricatural, exagerada, que na verdade serve como crítica à caras como eles, ao mesmo tempo que reflete a realidade de tantos outros homens que existem por aí. Em paralelo a isso há Nikki, uma personagem feminina forte, super consciente da sua sexualidade, mas ao mesmo tempo insegura sobre sua aparência e que se sente pressionada para ser magra e bonita. Ela não usa drogas mas é bulímica. Trabalha em uma sauna, mas não se vê como uma prostituta. A partir de seu relacionamento com Simon que Welsh levanta questões sobre os limites de Nikki e sobre um relacionamento abusivo. O autor não levanta nenhuma bandeira, mas assinala aquela relação como tóxica, já que ele mostra Simon como uma influência tóxica desde Trainspotting. Só que o intento do livro não é apontar problemas e nem ser moralista, muito pelo contrário, ele apresenta as situações, algumas vezes de forma extrema e a partir delas abre espaço para reflexões. É preciso apontar que Welsh é bem gráfico em suas descrições, tanto nas cenas violentas quanto nas cenas de sexo, que esse livro tem muitas. Mas elas são apenas parte de um cenário bem maior que ele monta, por onde esses personagens trafegam. Para Welsh os detalhes são necessários para contar sua história mas não são importantes, por isso não parecem soltos dentro da trama. O importante são as motivações de seus personagens, e por mais que o livro pareça ser centrado em Simon e Nikki, Spud, Begbie e Renton também são importantes, suas histórias são contadas e acabam se entrelaçando a história de Simon.

Porno é um livro difícil de ser definido, ele é uma experiência. São muitas nuances e histórias dentro de uma mesma história, que formam um quadro maior. Não é uma experiência fácil, não é um livro leve, mas é um livro incrível que merece ser lido.

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