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Prêmio Hugo – Parte 2

No artigo anterior, eu dei um panorama geral do prêmio Hugo, o mais importante da literatura de Ficção Científica. A cerimônia de premiação é dia 18 de Agosto na Worldcon, em San José, na Califórnia. Terminei explicando que as regras tiveram que ser mudadas por causa de votações em bloco pra favorecer os preferidos de uma minoria. O que aconteceu foi um episódio lamentável, mas que precisa ser discutido porque é parte de uma guerra cultural que está rachando os Estados Unidos e tem reflexos no mundo inteiro, inclusive aqui no Brasil. Tem a ver com liberdade de expressão, representatividade e intolerância.

A alegria de Amal el-Mohtar, Melhor Conto em 2017. As mulheres dominaram nos últimos dois anos

Em 2013, o escritor Larry Correia começou a se queixar de que a premiação estava perdendo a relevância, privilegiando mensagens políticas em detrimento da qualidade. A votação estaria dominada por uma pequena elite de esquerda que usava o prêmio para promover a sua ideologia. Correia (indicado a Melhor Escritor Novo em 2011) reclamava que autores com posições políticas divergentes, conservadoras, estavam sendo marginalizados, e que a Ficção Científica estava deixando de lado o que seria a sua característica fundamental, o entretenimento, e se tornando um meio para propaganda socialista e de gênero. Até aqui, posso até discordar, mas tenho que respeitar a motivação de qualquer um que se sinta excluído. Já o método…

Correia, o mais alto, era todo sorrisos em 2011, indicado a Melhor Escritor Novo

Correia começou uma campanha pela internet para conseguir votos para esses autores supostamente marginalizados pela esquerda – começando por ele, é claro… Apelidou o grupo de “Sad Puppies”, cachorrinhos tristes.

No primeiro ano, não conseguiu nada. Em 2014, conseguiu emplacar sete indicados, um em cada uma das categorias principais – incluindo um livro dele. Quase todos ficaram em último lugar, e um ficou abaixo da opção de “No Award”, Sem Prêmio.

Eu tinha começado a votar em 2012, mas até então, como muitos, nem estava sabendo dessa campanha. Na votação de 2014, realmente estranhei, porque achei algumas histórias muito ruins, especialmente essa última – não só mal escrita, mas altamente moralista, com direito a um genocídio que deixava a impressão de que o autor achava que a religião justificava o massacre. Horrível. Mas o negócio só ficou escancarado mesmo no ano seguinte.

Em 2015, o autor dessa famigerada história, que atende pelo pseudônimo de Vox Day (um trocadilho com Voz de Deus, em latim…), entrou na briga. Ele tinha sido expulso da SFWA, a Associação de Escritores de Ficção Científica e Fantasia, por ofensas raciais a uma escritora negra (N. K. Jemisin, que ironicamente, pra desespero dele, viria a ganhar em 2016 e 2017). Ele tem um blog pavoroso de tão racista (não vou linkar aqui, não dêem a ele a satisfação – ele adora se gabar do número de acessos). Chamou o próprio grupo de Rabid Puppies, cachorrinhos raivosos. Juntas, as duas matilhas conseguiram emplacar quase todos os indicados. E aí foi o caos.

Em 2015, ano da polêmica, George R. R. Martin criou um prêmio pros perdedores

Alguns escritores não quiseram se envolver nessa disputa política e recusaram as indicações. Uma reação contra o voto em bloco foi liderada pelo autor das Crônicas de Gelo e Fogo, George R. R. Martin, muito ativo nas convenções. Ele convocou os fãs – quaisquer que fossem as convicções políticas – a pagarem a inscrição e votarem para que a opinião da maioria prevalecesse. O resultado foi uma votação recorde, mas em que várias categorias ficaram sem prêmios – o “No Award” prevaleceu. E o grande ganhador foi um que entrou de última hora, por causa de uma das desistências: ironicamente, o chinês Cixin Liu, com “O Problema dos Três Corpos”, o primeiro não anglo-americano a ganhar o prêmio de melhor romance.

O tradutor, Ken Liu, recebe o Hugo para “O Problema dos Três Corpos”

Nos dois anos seguintes, as campanhas dos cachorrinhos perderam a força, e a nova regra anti-bloco entrou em vigor ano passado. Em 2016 e em 2017, as quatro categorias principais foram vencidas por mulheres – das mais variadas etnias e orientações sexuais. E acima de tudo, com histórias excelentes e totalmente merecedoras. E assim chegamos a 2018 com um quadro fortíssimo de indicados, que pode produzir uma votação das mais apertadas dos últimos anos. No próximo capítulo, meus votos e comentários sobre os indicados.

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