O ano é 1989, o Brasil se prepara para a primeira eleição direta para presidente depois da ditadura militar, eu, cursando a segunda série primaria (tem outro nome agora, mas nessa época chamava assim) tenho como leitura obrigatória o livro “Uma História dos Rabos Presos” da Ruth Rocha. Nas ruas do país carros com adesivos das campanhas políticas se multiplicam, a campanha eleitoral é o maior acontecimento do ano e eu, do alto dos meus oito anos, começo a ler sobre uma cidade em que os poderosos desenvolvem uma doença estranha onde todos começam a criar rabos. Os rabos dos poderosos começam a se dividir e a se prender ao rabo de outros poderosos, a doença se espalha de tal forma que os poderosos da cidade não conseguem mais se mexer de tantas ligações que seus rabos tem. Os cidadãos de bem, os que não tiveram a doença, resolvem tirar esses poderosos da cidade e coloca-los no único lugar em que eles cabiam: a cadeia.
Não posso dizer que entendi o que Ruth Rocha estava dizendo quando li o livro a primeira vez, mas posso dizer que foi o primeiro livro que me fez entender que o que eu estava lendo podia ser mais do que apenas uma história legal, que nas páginas se falava muito mais. Talvez por isso essa seja uma história que ficou comigo, dessas que consigo citar a qualquer momento, é desses que eu indico para os amigos, de qualquer idade. Ao longo doa anos li e reli muito esse livro tentando entender porque me marcou tanto, porque mesmo nos arroubos adolescentes em que doei muito dos meus livros e brinquedos, ele continuou na estante, intacto. Claro que tem a ver com o momento que li, mas é mais do que isso, é também minha pequena homenagem a Ruth Rocha. Não importa que idade eu tenha ela é uma das escritoras que estará sempre representada nas minhas estantes, na minha biblioteca ela não pode faltar nunca. Ela junto com um punhado de outros escritores nacionais me abriu a porta para a leitura, me acostumou a ter um livro nas mãos.
Tive a oportunidade de ver uma palestra com a Ruth em que ela disse que existem três tipos de pessoas: uma parcela pequena que se tornará leitor mesmo sem estimulo; uma parcela gigante que só lerá se for estimulado; e uma parcela pequena que nunca lerá, mesmo sendo estimulado. Acredito que faço parte do segundo grupo, fui estimulada a ler desde a infância e na pré adolescência me tornei o que sou hoje, uma leitora voraz, alguém que não consegue se ver sem um livro na mão, alguém que escreve um blog sobre literatura. Tudo isso foi possível porque os muitos Reis criados pela Ruth me encantaram, porque todo aquele universo de seu livros me seduziram, porque mesmo depois de décadas eu sou capaz de citar suas histórias de cabeça, porque quando, no colégio, tive que falara sobre a Guerra Fria fui buscar em “dois idiotas cada um sentados em seu barril” como inspiração. São muitos os porquês de ser eternamente grata a criatividade e a escrita da Ruth, seus livros abriram um mundo, ou melhor, mundos que exploro até hoje.
Hoje Ruth faz 85 anos e não tem muito como agradecer o bem que ela me fez com sua obra. Foi nas páginas criadas por ela que me encantei por histórias, que passei a ver que ler não é chato e que vale cada segundo dedicado. Seus livros fininhos e cheios de ilustrações foram a porta de entrada para que eu descobrisse Machado de Assis, Clarice Lispector, J.K. Rowling, Ewan McEwan, Rubem Fonseca, Fernando Pessoa e todo o universo de escritores que adoro e os que ainda irei descobrir. Não tem como fazer uma homenagem a altura de alguém tão importante, posso apenas dizer Obrigada e Parabéns!