Coluna

A tragédia em palavras

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Sentei para escrever essa coluna e as ideias não vinham, as palavras não vinham. Queria muito escrever sobre algo diferente da tragédia que vitimou 71 pessoas na Colômbia, alguns deles conhecidos meus, não tenho como escrever sobre outro assunto.

Fiquei pensando que naquele avião morreram 20 jornalistas, 20 profissionais que dedicaram a vida a contar a emoção do esporte mais popular do mundo. O esporte, qualquer esporte, se faz épico também pela forma com que é contado, com que é narrado, com que é escrito. Os atletas nas quadras e em campo se doam para uma vitória, um campeonato, uma taça e se imortalizam juntos com os cronistas esportivos. Você consegue lembrar do tetra da seleção brasileira de futebol sem o famoso “é tetra” do Galvão Bueno pulando agarrado ao Pelé?

Não são só os narradores, são os cinegrafistas que no momento certo fecham a imagem no lance polêmico, na expressão no rosto do jogador, que, mesmo em um campo de final de Copa do Mundo, como a de 2010, dá um furo e registra para a posteridade a cabeçada de Zinedine Zidane. É o repórter de campo, que ali juntinho aos atletas, trazem a emoção das derrotas e das vitórias. Isso tudo sem falar do rádio, quem já ouviu qualquer esporte pelo rádio sabe que é outra emoção. Não é por acaso que no Maracanã é comum encontrar torcedor com um radinho de pilha colado ao ouvido acrescentando emoção ao que ele vivencia.

Jornalista é o profissional das palavras. A “testemunha ocular da história”, como dizia o velho repórter Esso, que cinta e relata o que presencia, não importa o veículo. No jornalismo esportivo esse relatar está sempre envolto em uma leveza e com uma carga de emoção que não é comum nas outras editorias. São as matérias divertidas com o jogador que perdeu um gol inacreditável, o perfil do jogador de vôlei que vaio da pobreza e se transformou em bicampeão Olímpico ou o piloto de Formula 1 que perdeu as pernas e tornou-se campeão paraolímpico, todos exemplos reais.

 No avião que caiu tinham repórteres, narradores, comentarista, jornalistas de sites. Do rádio ao portal passando pela tv, perdemos profissionais de todos os meios. Relatar a morte de colegas é sempre difícil, é tentar manter algum controle enquanto relatamos a morte de colegas de profissão, conhecidos, amigos. Essa é a cobertura das vozes embargadas, dos olhos cheios de lágrima.

Não nos damos conta de quanto das nossas memórias esportivas estão conectadas com como elas foram transmitidas. Galvão Bueno é a voz dos jogos da seleção brasileira, para mim, ninguém sintetiza mais o meu amor pelo Fluminense do que as crônicas de Nelson Rodrigues. Jogo no rádio é com José Carlos Araújo, vôlei só se for com Sérgio Maurício e comentários de Marco Freitas, se for para ler no dia seguinte quero o Fernando Calazans escrevendo. Minhas memórias esportivas estão ligadas a jornalistas.

Na próxima coluna eu volto a falar de livros, no momento é só luto por 20 colegas.

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