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Underground Airlines

No nosso evento na livraria Blooks onde conversamos sobre distopias um dos livros que foi citado e elogiado foi “Underground Airlines” (tradução de Ryta Vinagre). Como sempre faço coloquei o nome do livro na lista para ser lido e um mês depois ele já estava na minha mão. O livro de  Ben H. Winters constrói um mundo onde, nos dias de hoje, quatro estados americanos ainda são escravocratas, os quatro de ferro.

O livro é todo contado em primeira pessoa por Jim/Victor/Brother um capitão do mato moderno. Um ex-escravo fugido que é empregado pelo governo federal para caçar outros escravos fugitivos. Logo nas primeiras páginas um dos contos de Machado de Assis que mais gosto me veio a cabeça: “Pai contra Mãe”. O dilema escrito por Machado no século XIX apresenta o mesmo dilema do livro de Winters: a sobrevivência acima de tudo. Jim/Victor/Brother é atormentado pelo que faz e faz mesmo assim porque é a liberdade que conseguiu obter e qualquer naco de liberdade é melhor do que a escravidão.

O título do livro, que não foi traduzido, é uma analogia ao underground railroads, rotas de fuga de escravos nos EUA. Aqui elas viram underground airlines, um sinal de modernização das rotas de fuga e de uma organização bem mais elaborada para o mesmo propósito: salvar pessoas da escravidão. Toda a organização e como os EUA conseguiram chegar ao século XXI ainda tendo escravos é explicada aos poucos pelo protagonista que vai, com sua total descrença em mudança do status quo, explicando tudo que aconteceu e acontece nas terras do Tio Sam.

O mais aterrador desse futuro distópico é o quão parecido com a nossa realidade ele é. Todo o racismo que nos ronda está nas páginas com cores ligeiramente mais fortes e isso é a beleza das ficções: falar sobre nós mesmos e nossa sociedade mesmo que escrevendo sobre algo tão absurdo como estados escravocratas em pleno EUA do século XXI. Por coincidência ou não lia esse livro exatamente quando essas imagens de um mercado de escravos na Líbia vieram a tona.  A escravidão moderna existe e vem sendo combatida, timidamente, mas mesmo assim combatida. O que as imagens da Líbia mostram é um mercado de escravos que poderiam ter saído de uma pintura de Debret.

“Freedman Town serve a um bom propósito – não para as pessoas que moram lá, Deus sabe disso; gente metida ali pela pobreza, pelo preconceito, por leis que as impedem de se mudar ou trabalhar. O Propósito de Freedman Town é para o resto do mundo. Um mundo que fica sentado, como Martha, de óculos escuros, olhando de longe, com medo, porém a salvo. Crie um curral como este, não dê às pessoas alternativa senão viver como animais, e depois as pessoas vão apontar para elas e dizer você vai ver aqueles animais? É o que essa gente é. E essa ideia rola de Freedman Town como fumaça de chaminé, negro passa a significar pobre e pobre, a significar perigo, e todas as palavras se confundem e se transformam em uma ideia obscura, uma nuvem de fumaça, os vapores de chaminé vagando como ar poluído pelo resto do país.”

“Underground Airlines” é desses livros que permanecem com você, desses que você quer debater com os amigos, que quer indicar para todo mundo. É um retrato obscuro do que poderia ter sido e ao mesmo tempo ainda é. Demorei um pouco para perceber que mesmo com tudo o que acontece e como o livro acaba há sim uma mensagem de esperança e uma espécie de final feliz para tudo o que é contado. Não é um final feliz típico e nem muito menos óbvio e mesmo assim consegui encontrar um pouco de esperança ali.

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