“Fantasmas são culpas, são segredos, são arrependimentos e fracassos. Mas muitas vezes um fantasma é um desejo.” Os fantasmas que assombram a família Crain, desde 1992, quando eles foram passar o verão na Residência Hill, seriam frutos de seus desejos e medos ou manifestações do passado da casa? Essa é a questão que sai do livro de Shirley Jackson e se torna o centro da trama da série A Maldição da Residência Hill (The Haunting of the Hill House, EUA, 2018), lançada pela rede de streaming Netflix. Apesar de ter o mesmo título em inglês da obra de Jackson, a produção se baseia principalmente na história da casa. Personagens, citações e acontecimentos são mais uma homenagem ao livro do que uma adaptação. Porém é uma maravilhosa homenagem, capaz de empolgar e emocionar até quem não aprecia histórias de terror.
São 10 episódios, divididos como capítulos de um livro, que apresentam os personagens, seus dramas e os mistérios da casa através do ponto de vista de cada um dos membros da família Crain. Uma fórmula conhecida mas que funciona bem na série, ajudando a criar o suspense, já que a cada parte da história que conhecemos, há um mistério por trás que pode ou não revelar algo maligno.
No verão de 1992, Hugh e Olivia Crain se mudam com seus cinco filhos para a Mansão Hill, que pretendem reformar e revender. Porém a mansão é cheia de mistérios, com salas e quartos que parecem formar um labirinto e que começa a afetar a sanidade de Olívia e seus filhos, principalmente dos gêmeos, Nellie e Luke, de 6 anos. 26 anos depois, com todos adultos, a casa ainda influência suas vidas e com um trágico acontecimento, eles se reúnem para tentar entender o que aconteceu naquele verão que afetou tanto cada um deles.
Sem entregar muito sobre a trama, porque acompanhar cada um dos personagens é o grande trunfo da série, sem dúvida seu texto recheado de referências ao livro de Jackson, personagens que surgem como easter eggs e conseguir construir uma obra gótica muito atual, já são ótimas razões para fazer uma maratona e assistir aos 10 episódios de uma vez. Mas a direção de Mike Flanagan é primorosa e o consolida como um dos proeminentes diretores de terror da atualidade. Uma história que equilibra drama familiar com aspectos sobrenaturais com o mesmo peso, sem apelar para sustos óbvios mas para as emoções dos personagens, cria uma empatia muito maior com o público e, por isso, facilita a sensação de terror já que nos transferimos para a casa junto com os Crains.
Por mais que a série gire em torno dos acontecimentos da Mansão Hill ela é sobre os relacionamentos, entre os membros da família Crain e como eles reagem ao mundo em torno deles depois de tudo que vivenciaram durante a infância. O quanto a casa ainda afeta cada um deles. Os fantasmas que Steven, o filho mais velho, cita já adulto na frase que abro esse texto, seguem com eles mas também passam a fazer parte de cada um deles. Como eles lidam com esses fantasmas é o que mais importa.
Há um bom tempo uma obra de terror não me empolgava como essa série empolgou. A realização de cada episódio, principalmente o episódio 6: “Two Storms”, que é o clímax de toda a trama e gravado em um único plano sequência. A forma como o livro de Jackson é usado na série de forma sútil mas ainda assim muito presente e as adaptações feitas para que os personagens fossem atualizados e ganhassem mais força, tudo contribui para mostrar que uma história de terror pode ser recheada de emoções além do medo e muito bem elaborada. Num mundo em que a ansiedade, a depressão e a solidão são sentimentos muito mais paralisantes que o medo, uma obra que consegue lidar com todos eles sem liberar gatilhos e sem ser sensacionalista, consegue tocar seu público com muito mais eficácia. Flanagan afirmou que o fato dessa primeira temporada ter uma conclusão, não significa que não haverá uma segunda temporada mas que tudo indica que essa será mais uma série formada por antologias – histórias completas por temporada – envolvendo a Mansão Hill. O importante é que sendo ou não fã de terror, A Maldição da Residência Hill é uma obra que vale a pena ser vista por todos aqueles que admiram histórias bem contadas.