Coluna

As mulheres de Stephen King

Setembro é o mês do Stephen King, não só porque ele completa 70 anos no dia 21, como também é o mês em que várias adaptações de obras dele estreiam no cinema, na televisão e na Netflix. “A Torre Negra” foi o primeiro a estrear, ainda no fim de agosto, assim como “Mr Mercedes” virou uma minissérie para o novo canal norte-americano Audience. “It”, chegou ao cinema semana passada e já é um enorme sucesso de bilheteria. A primeira temporada da versão seriada de “O Nevoeiro” já está disponível na Netflix, e no final do mês “Jogo Perigoso” também chega a rede de streaming.

Surgem na internet textos sobre como personagens e acontecimentos dos livros do King estão interligados, principalmente dentro da Torre Negra, sobre seus vilões, até sobre seus tuites raivosos contra o Trump, mas nesse texto quero comentar sobre algumas personagens femininas criadas pelo Stephen King.

Carrie White deve ser a mais famosa e a que começou tudo, a menina criada por uma mãe castradora e religiosa, que descobre ter poderes telecinéticos no mesmo momento em que fica menstruada pela primeira vez. Assim como Charlie McGee de “A Incendiária”, outra menina com poderes telecinéticos, só que Charlie é capaz de colocar fogo nas coisas com o poder da mente. Tanto Carrie quanto Charlie se tornam párias da sociedade, precisam esconder seus poderes e quando eles se manifestam são combatidas. Carrie vira a vilã de sua própria história e Charlie é perseguida pelo governo, já que seu poder é resultado de experiências pelas quais sua mãe passou com LSD e drogas modificadas. Carrie é da década de 1970 e Charlie do início dos anos 1980, e com essas duas personagens King já chamava atenção para como a mulher é vista e tratada pela sociedade, como elas não tinham o direito de serem diferentes e muito menos ter poderes especiais.

Entre Carrie e Charlie, King criou três personagens que gosto muito, Susan Norton de “Salem’s Lot”, Wendy Torrance de “O Iluminado” e Fran Goldsmith de “A Dança da Morte”. Susan e Fran são universitárias e bem decididas sobre o que querem, não são mocinhas em perigo que precisam ser resgatadas. Mas Susan é uma personagem que me marcou muito, porque ela é inteligente, forte, mesmo sendo o interesse amoroso do protagonista do livro, ela tinha personalidade. Para uma adolescente aquilo era incrível. Assim como Fran, que tem as mesmas qualidades de Susan, mas que decide cuidar de si mesma. Fran começa o livro grávida, sem dinheiro, fugindo de uma epidemia apocalíptica e não sabe se seu bebê também é imune à doença, mas segue em frente e não precisa ser defendida. Ah! E Não foi “A Cabana” o primeiro livro a retratar Deus como uma mulher negra, temos a maravilhosa Mãe Abigail de “A Dança da Morte”, que representa todo o bem do mundo e que tem uma vida simples e difícil, sendo uma mulher negra no sul dos EUA.

Já Wendy Torrance representa grande parte das mulheres que estão em um relacionamento abusivo e não se deixam quebrar. A Wendy do livro é forte, ela tem medo do Jack, claro, mas quer sobreviver e quer salvar seu filho. É a partir dela que King cria uma lista de personagens que sobrevivem à violência domésticas e se tornam grandes heroínas. A mais significativa, para mim, é Dolores Claiborne de “Eclipse Total”. Dolores passou toda sua vida convivendo com um homem abusivo, tentando viver da melhor maneira possível, até perceber que ele começaria a investir na própria filha, então Dolores faz o que tem que fazer. Anos depois ela é acusada de matar sua amiga e patroa, e todo o acontecimento de um dia de eclipse, anos atrás, volta a assombra-la. Dolores é uma mulher simples do Maine, que fala com um sotaque forte da região, sem estudo mas muita sabedoria, não há como não imaginar se essa não seria a maior homenagem de King a sua mãe, uma mulher que teve uma vida difícil e que precisou criar dois filhos sozinha.

Ao lado de Dolores gostaria de colocar também Rose Daniels de “Rose Madder”, não é um grande livro mas Rose é uma personagem e tanto, que também foge dos abusos do pai e do marido. E Lisey Landon de “Lisey’s Story”, um livro perturbador, sobre uma viúva de um grande escritor, que é torturada por um dos fãs de seu falecido marido. Ali ela começa a lembrar da vida que tinha com ele, que também tinha um histórico familiar violento. Sim, esse é um assunto recorrente nos livros do autor, a violência doméstica, e por mais que incomode, me deixa satisfeita ver que ele se importa, e mais, que cria mulheres fortes, capazes de vencer essa violência, além de abrir caminho para o debate sobre um dos maiores problemas enfrentado por mulheres no mundo. King sempre nos mostra que o maior terror que existe é o da vida real, que monstros e eventos sobrenaturais são metáforas sobre esse terror.

Jessie Burlingame de “Jogo Perigoso” e a pequena Trisha McFarland de “The Girl Who Loved Tom Gordon” são protagonistas de histórias sufocantes. Ambas se encontram em situações desesperadoras, Jessie está presa por algemas na cama e matou sem querer seu marido, ela não tem como sair e sua única companhia são seus pensamentos e manifestações que se apresentam, podendo ou não ser alucinações. Trisha tem 9 anos e se perde de sua família em uma floresta e, assim como Jessie, seus pensamentos a perturbam em forma de alucinações. Jessie teve uma infância difícil, um pai abusivo e, agora, um casamento infeliz, com um homem que não ama. Trisha é filha de pais divorciados, de uma família completamente infeliz.

Saindo lá dos anos 1970 e 1980 e vindo para depois do ano 2000, vemos King se mostrar atual e antenado. Suas protagonistas deixam de ser párias para se tornarem heroínas. Minha favorita é a fofíssima Abra Stone de “Doutor Sono”, uma menina que é maravilhosa desde que nasce, que também é iluminada, mas que sabe lidar com seus poderes. Abra é incrível, esperta e muito corajosa. Em “Mr Mercedes” Temos a Holly Gibney, que tem depressão, muitos problemas para se relacionar socialmente, mas cresce na história, vira uma personagem bem interessante e uma das melhores do livro. Holly não é uma adolescente, muito pelo contrário, mas começa como uma personagem frágil que ganha força. Através de Holly e sua prima, Olivia Trelawney, King aproveita para discutir sobre depressão.  Em “Mr Mercedes” também tem Janey Paterson, divorciada com mais de 40 anos, independente. Tudo bem que ela acaba namorando o personagem principal, mas nessa relação todas as inseguranças em relação à idade e ao próprio corpo partem dele, Janey é segura e forte.

Eu não poderia terminar esse texto sem falar sobre as vilãs do King, não são muitas, mas são marcantes. Temos Rose the Hat, de “Doutor Sono”, uma vampira de energia que se alimenta de crianças iluminadas. Rose é a líder do grupo o Verdadeiro Nó, que viaja como um grupo de caipiras que vivem em trailers, mas na verdade são uma sociedade antiga que existe desde o início da humanidade. Rose é impiedosa, vingativa, seus poderes são tão fortes quanto os de Abra e Dany, e há muito tempo um vilão de um livro do King não me assustava tanto. Já a maior vilã que a mente de King já criou é Annie Wilkes. Annie não tem poderes especiais, não faz parte de uma sociedade secreta, nada disso. Ela é uma mulher que vive sozinha em sua casa, cheia de obsessões e manias, e é “a maior fã de todas” do escritor Paul Sheldon. Annie é real, uma psicopata que poderia viver na casa ao lado da sua, que não aceita o mundo se não for do jeito dela e que é capaz de fazer qualquer coisa para que seja assim.

São 56 romances e quase 200 contos escritos por Stephen King até hoje. Quase sempre se comenta sobre seus personagens masculinos e seus vilões, mas as mulheres de King são também fortes e importantes quanto eles, em cada uma dessas histórias que ele já escreveu. Talvez ele as entenda dessa forma por ter vivido cercado por elas, sua mãe e Tabitha foram e são influências importantes em sua vida. Existem problemas dentro da forma como algumas delas são mostradas e nem todas foram citadas nessa lista. Mas acho importante mostrar que as mulheres são bem representadas nos livros do King e como o papel da mulher nas histórias de terror é tão rica. O próximo livro de King é em coautoria com seu filho Owen King. Acontece dentro de uma prisão feminina quando um acontecimento místico toma conta do mundo e todas as mulheres adormecem. “Belas Adormecidas” chega às livrarias do Brasil em outubro e espero mais personagens femininas para amar e engrossar minha lista.

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