Quando o assunto é filme/livro/série de terror, eu literalmente devoro o conteúdo. Adoro! Então, quando vi o trailer do novo “Drácula” (série feita para a BBC, mas já disponível na Netflix desde 4 de janeiro) e soube que os criadores de “Sherlock”, Mark Gatiss e Steven Moffat, roteirizaram a série, surtei bonito! “Sherlock” é uma das minhas séries favoritas da vida (perdendo apenas para “Buffy, a Caça-Vampiros”), então já viu né? Mas aí o problema é que eu fui com muita sede ao pote e isso foi a minha ruína. Explico tudo aqui sem spoilers, mas para dar minha opinião sobre a série, é preciso tocar em pontos-chave. Então farei isso no fim, mas avisarei quando for tocar em spoilers.
“Drácula” de Gatiss e Moffat é, assim como “Sherlock”, um seriado de três episódios, sendo cada um com 90 minutos. Na BBC, eles foram ao ar um por dia, durante três dias consecutivos, se não me engano (dias 1, 2 e 3 de janeiro, entrando simultaneamente na Netfix no dia 4). O seriado – que pode ser pensado como três filmes praticamente (obs: acho “bunitinho” fãs reclamando que Drácula só tem 3 episódios e que já acabou … vocês não passaram pelo sofrimento dos Sherlockians quando aconteceu conosco! Respeitem nossa história!) – tem como base a obra de Bram Stoker, mas não é totalmente fidedigna a ela. Então fiquem ligados porque tem muita novidade em cada um desses episódios!
Quem interpreta o nosso vampirão é o ator dinamarquês Claes Bang. Sua interpretação é única, mas ele tem vários momentos que prestam homenagem aos icônicos Bela Lugosi e Christopher Lee. Muitos dizem que também viram um pouco de Gary Oldman, mas eu não lembro não. Acho que a trilha sonora faz mais essa homenagem a versão de Coppola do que ao ator que a estrelou. Seu Drácula é sarcástico, envolvente e sexy, como todos os anteriores (cada um em sua época). Um site o descreveu como sendo um “James Bond do mal” e eu concordo. Excelente interpretação, embora os ataques de vampirescos de “olha-os-meus-dentes-afiados-como-eu-sou-mal” sempre me irritaram em qualquer adaptação.
Os nomes dos episódios são “As regras das trevas”, “Sangue a bordo” e “Bússola sombria”. O primeiro traz elementos clássicos da história original, como a parte epistolar entre Johnathan Harker (John Heffernan) e Mina (Morfydd Clark), o relato dele ao escapar do castelo do Conde e o que passou enquanto estava preso lá, e o “rejuvenescimento” do vampirão além de, claro, as regras que todos conhecemos sobre sol, estacas, crucifixos e convites.
Episódio 1
Desde o início dessa primeira hora e
meia de seriado, já notamos que teremos mudanças na narrativa. Isso se dá pelo
estado de saúde de Jonathan Harker e por quem o está interrogando. Uma freira
chamada Agatha (interpretada brilhantemente por Dolly Wells) tem conhecimento ocultista
e é responsável pelas melhores falas do seriado (muitas delas pra lá de
feministas, abençoada seja!). O seriado chama Drácula porque é mais sonoro do
que Agatha, tá? Maravilhosa! Ao final do primeiro episódio, descobrimos junto
com Drácula informações importantes e vitais sobre essa freira. Dica: é
incrível!
Episódio 2
O segundo episódio se passa dentro de um navio, fato que também faz alusão
ao livro de Stoker, já que o Conde vem da Transilvânia para Londres a bordo do
navio Deméter. Só que no livro, acompanhamos isso pelo relato de bordo do
capitão, que fica cada vez mais preocupado ao ver que sua embarcação está
cercada por uma densa névoa e com passageiros e tripulação sumindo aos poucos.
É, amigo, a dieta do Conde é específica. Nada de Futuro Burger pra ele.
Mas no seriado, esse episódio tem um twist sensacional no final e que se eu falar um pouquinho, estrago. Então uma palavra para você: veja! (Ou leia o final desse post J)
Episódio 3
O terceiro e último episódio se passa
em Londres, onde o Conde finalmente encontra Lucy (interpretada por Lydia West
de “Years and Years” e que lembra uma jovem Tessa Thompson). Se você esperava
um Drácula obcecado pela Mina, errou. Essa é uma das novidades dessa versão:
aqui, Lucy é mais importante no terceiro episódio do que Mina já foi em toda a
série (embora ela não desaponte quando aparece nos primeiros e quando sabemos –
mas não vemos – o que ela faz no início do terceiro episódio).
NÃO MARATONE!
Bem, escrevi pra caramba para contextualizar as mudanças que o “Drácula” BBC/Netflix traz, mas o mais importante para aproveitar o máximo do conteúdo escrito e produzido pela dupla Gatiss/Moffat é o seguinte: não maratone!
Sim, são apenas 3 episódios, mas são três filmes, 270 minutos onde cada troca de olhares, falas, cenários importam e muito. Uma questão específica é colocada no primeiro episódio e só é resolvida no último e para que você não sinta tudo corrido demais ou perca as entrelinhas que trazem mais informações, assista, pelo menos, um episódio por dia. Não mais ou pode prejudicar a sua experiência.
Eu maratonei e vou ter que ver de novo porque tem muita coisa que ficou na minha cabeça que preciso organizar. Vai por mim e seja paciente, pois dessa forma, a troca de farpas entre Agatha e Drácula são mais eficazes assim como as questões levantadas pelos roteiristas, questões essas que são tão antigas quanto o Conde e se mantém tão atuais quanto você e eu.
Curiosidades e dicas sem spoiler:
– No primeiro episódio, Agatha fala com
Harker sobre como o encontrou e solta um “Conheço um detetive em Londres”.
Seria essa fala uma alusão ao nosso amado Sherlock Holmes? Eu acho que sim, me
deixa!
– Se você tem nervoso de coisas como unhas sendo arrancadas, esteja avisado de
que rola isso aqui e não é pouco. Mas você vai ver antes de acontecer e dá
tempo de fechar os olhos.
– Nada a ver com Drácula, mas sim com vampiros. Se você curte as criaturas da noite, assista “N0s4A2” (lê-se Nosferatu), seriado baseado no livro homônimo de Joe Hill que já finalizou a primeira temporada e foi renovada para uma segunda. A primeira é praticamente um prequel do livro e a segunda, pelo que tudo indica, vai começar exatamente de onde o livro começa. É excelente e é muito mais um drama do que um terror. Aqui no Brasil, ela é exibida no AMC. Assim como Drácula, vale e muito ler o livro.
BORA PROS SPOILERS!
Mudança de narrativa
Durante o primeiro episódio, estamos em
1897 (se não me engano), ano em que Drácula foi publicado originalmente. Todo o
episódio é bem gótico e dá gosto de assistir. O mesmo clima passa para o
segundo episódio, embora sinta ele mais arrastado do que o primeiro. Mas o
final, gente o final é sensacional! Rola um pulo no tempo de 123 anos e Drácula
acha que foi algo de minutos! É LINDO e faz a expectativa para o terceiro e
último episódio triplicar! E o que dizemos sobre expectativas? Quem cria é que
é culpado, né? Pois é…
O terceiro episódio se passa no presente onde Agatha agora é Zoe, tataraneta da freira. Ah, sim, o sobrenome é Helsing … Van Helsing. AMO! Agatha tem um segredinho básico e trabalha para a Fundação Harker, criada por Mina depois de toda a situação dos primeiros episódios. E a fundação tinha como foco achar Drácula? Estudá-lo? Para qual fim?
Drácula diz em um momento que reconhece a segurança do local como sendo mercenários, mas então quem viabiliza essa pesquisa?
Aí muda a narrativa e isso fere a série.
No primeiro episódio temos uma freira tentando entender como vampiros funcionam e querendo lidar com sua falta de fé. É quase uma freira cientista e isso é muito interessante. Temos também um vampirão que, diferente do livro, não tem três esposas, mas sim três experimentos na tentativa de reproduzir o que ele é. Quem conhece filmes e termos de terror sabe que existe uma diferença entre vampiros, ghouls e zumbis. Drácula é o primeiro, mas só consegue recriar ghouls e quer entender como aprimorar sua capacidade reprodutiva.
O segundo episódio é mais arrastado, com muitos personagens secundários que só servem de comida para o vampiro e perdem em importância para Agatha. Basicamente, estão lá para povoar 90 minutos de transição entre passado e presente.
Já o terceiro episódio vira filme de aventura, mas com Zoe ainda tentando entender o que Agatha também questionava: por que Drácula teme a cruz. São três episódios dela tentando descobrir algo que nem mesmo ele sabe. O fim vem com essa resolução, que é boa, mas fica aquém da expectativa (olha ela aí de novo!) construída até aqui.
O terceiro episódio é muito corrido com tudo que acontece nessa mudança de narrativa: Drácula, de repente, aprende a usar a internet, já passa a tratar o Tinder como se fosse iFood e, sabe o caso dos mercenários? Não se resolve direito.
Não sou contra um Drácula contemporâneo, muito pelo contrário. Acho que seria muito interessante ver um guerreiro antigo, um vilão como ele estar no século XXI e o que ele acha de tudo isso. Seria incrível ver isso … pena que não acontece. Não dá tempo e isso é um problema para a série.
Personagens femininos
Eu AMEI o twist feito com o personagem de Van Helsing. Ser uma mulher e uma
freira cientista/ocultista é sensacional. Mas Agatha é tão interessante que,
quando sua “continuidade”, Zoe, uma médica que conhece Drácula de trás para
frente, comete erros simples (como apontar uma arma para um vampiro), me dá
muita raiva. Ninguém faria isso!
Também gostei muito da Mina que vi: ela é coerente com a época, se mostra forte quando precisa ser e frágil quando não dava para ser diferente. Mas e aí? Ela é fundadora de todo o centro de pesquisas, lindo. Mas e aí? Nada mais?
E vamos falar sobre Lucy. No livro e na versão de Coppola para Drácula, Lucy é uma mulher rica e linda e que acaba atraindo a atenção de três homens – Arthur (que não está nesse novo seriado), Quincy (americano texano e que aqui tem uma ponta) e o médico John (Matthew Beard), que Lucy chama de Jack e mantém esse nome aqui.
A Lucy que estamos acostumadas a ver é o direto oposto de Mina. Enquanto essa última é “bela, recatada e do lar”, Lucy é ousada, quer tudo da vida e sabe como conseguir, mas que também gosta de seus pretendentes, se importa com eles. No fim das contas, Lucy morre muito mal e Mina vive o mais próximo de um final feliz que se pode esperar em uma narrativa de terror. Isso é muito a cara de autores antigos (ou antiquados) que perpetuam o machismo por meio de personagens femininos que “fogem a norma”.
Só que nesse nosso “Drácula”, embora os dois lados estejam presentes na personagem de Lucy, está também uma outra crítica. Nossa “Lucy 2020” é uma mulher de 22 anos, tem grana, é linda e vive com a cara nas redes sociais. Ela é linda e, ao mesmo tempo que ama isso e vive disso, parece cansada disso. Ou seja, hipocrisia da juventude. Mas não é algo que seja exatamente ruim/vilanesco, mas sim algo digno de crítica. Enfim, nossa Lucy abraça a morte, abraça Drácula e não se importa com o que vai acontecer. Não no sentido emo, mas como quem acha que nada de ruim pode vir a acontecer porque ela é jovem e linda. Isso é uma crítica a uma realidade.
Mas o destino de Lucy é muito pior do que se alimentar dos vivos: ela é cremada e não enterrada, sentindo a dor do corpo pegar fogo e se deteriorar. Mas quando Lucy se dá conta de sua aparência, ela só quer morrer e Jack – o pretendente que segue apaixonado por ela – coloca um fim ao seu tormento. E Drácula perde mais uma noiva.
Ah sim, porque lá no primeiro episódio, Drácula estava tentando se reproduzir, lembra? Ele disse que Johnathan Harker era uma ótima noiva porque, assim que se transformou, não virou um ghoul, mas manteve sua mente, sua personalidade. O mesmo acontece com Lucy, ou melhor aconteceria se ela não tivesse ficado “bem passada”, tadinha.
Aí temos outra questão: além de termos mulheres que são excelentes personagens (mas só até um certo ponto), temos o fantasma da sexualidade de Drácula.
Sexualidade
Drácula sempre pegou pescoço de geral,
independente de gênero, raça, credo. O único padrão era estar vivo (porque sangue
de gente morta é nocivo para vampiros). E quem conhece o mínimo sobre vampiros
sabe que essas criaturas são muito sensuais e sexuais e que transitar entre
homens e mulheres é natural para eles. Então, quando Agatha pergunta para
Jonathan “você teve sexo com Drácula?”, muitos se chocaram.
Ah, gente, qual é? Além de ser século XXI e ser muito normal para a natureza desse mito, vai dizer que nunca ouviram falar em Íncubo? Segue uma definição que tirei das “internets”: “Íncubo é um demônio na forma masculina que invade o sonho de pessoas a fim de ter uma relação sexual com elas. O íncubo drena a energia da vítima para se alimentar, e na maioria das vezes deixa-a viva, mas em condições muito frágeis. A versão feminina desse demônio é chamada de súcubo.”
Não é de hoje que vampiros, súcubos e íncubos são colocados todos no mesmo barco. A ideia de drenar sangue e energia de outras pessoas muitas vezes vem atrelada ao sexo. E, infelizmente, sexo ainda é um tabu em pleno século XXI.
No segundo episódio, sexualidade de dois personagens também é colocada na narrativa e a de Drácula se junta. Só que os dois são um casal que além de lutar contra esse tipo de preconceito, ainda tem o de classe e o de cor no meio. E Drácula? Drácula é um predador!
Mas gerou polêmica.
Conclusão
Como fã de terror e da dupla
Gatiss/Moffat, gostei de Drácula, mas esperava mais, muito mais. Também estou
acostumada a ver péssimas versões de personagens icônicos, então nada que tenha
tirado o meu sono. Mas queria algo diferente.
Bem, como diz Ariana Grande: Thank you, next. Aguardando a nova temporada de “Sabrina” agora.