Quando José Padilha e o Netflix anunciaram que fariam uma série baseada na operação Lava Jato fiquei de olho para não perder a estreia. São oito episódios que de forma bastante romanceada recontam o inicio da operação que começou como uma simples prisão de doleiros e, como disse um ministro do STF, “cada vez que se puxa uma pena vem uma galinha inteira”.
Apesar de usar como base o livro de Vladimir Netto que conta jornalisticamente o inicio da operação a série cria toda uma trama sobre as investigações e seus investigadores. Essas tramas paralelas com romance, traições e um ex-delegado aposentado são recursos de narrativa e não tem qualquer ligação com a realidade. Na verdade, a única realidade mostrada é o resultado das operações e isso constitui um problema, ainda mais em um ano de eleições.
Eu tinha reais expectativas de como seria feita uma série policial brasileira, sobre investigações e trabalho policial. Tudo até começa bem com um off falando que as pessoas acham que o trabalho da policia é subir morro e matar bandido as pessoas estão muito enganadas. O problema é que esse retrato para aí e toda a trama depende de ações fora da policia de um ex-policial instável. Metade do que é solucionado nessa primeira temporada não acontece porque a policia federal ou o ministério público e sim pelo personagem do Selton Mello (Ruffo) fora do sistema. Isso é ruim para a história e para uma série que se vendeu como um retrato de uma investigação.
A trama não é simples de entender, o caso é complexo e mesmo nós brasileiros que passamos os últimos 4 anos lendo e assistindo matérias que tentam explicar é difícil de acompanhar. Alguma recurso narrativo deveria ter sido empregado para que o publico pudesse entender a relevância de Alberto Youssef, ops Roberto Ibrahim. Não existe nada que explique como funciona a lavagem de dinheiro e a importância dos doleiros. Você termina a primeira temporada sem entender bem como o mecanismo funciona, sabe-se apenas que ele existe e é danoso. Eles perdem a oportunidade de brincar com os nomes das operações também, um dos grandes acertos midiáticos da policia federal nos últimos anos.
A principal questão de “O Mecanismo” é política. Lançar uma série sobre a Operação Lava Jato em um ano eleitoral, ainda mais sobre o inicio dela, é um problema politico. O PT é o principal alvo das primeiras fases da operação, nessa primeira temporada estão lá retratados o ex-presidente Lula (Higino), a ex-presidente Dilma (Janete), o ex-ministro da justiça Marcio Thomas Bastos (o mago), Aécio Neves (Lemes) e Michel Temer (Themes). Bate-se bem mais no PT do que nos demais partidos igualmente envolvidos, não se ouve falar de nenhum partido da base aliada, como se apenas o partido do governo estivesse empenhado em barrar investigações. É uma visão bastante complexa de se ter, mesmo que na ficção, em um ano eleitoral. Ainda mais do pais do “Tem que mudar o governo para estancar essa sangria” “com o supremo, com tudo”, frases, alias, que estão na boca de Higino e não na de um personagem personificando Romero Jucá, um problema a mais na conta política da série.
Se não bastasse tudo isso a representação do juiz Sérgio Moro (Rigo) é parcial. O único personagem incorruptível, o que toma as decisões corajosas, o que não debate com as decisões. O único que é, em uma cena já nos últimos episódios, idolatrado pela população. Um retrato que mostra bem o pensamento politico de quem está fazendo a série. Não há problema algum em se ter uma posição, muito pelo contrario, só é sempre bom saber que posição é essa. Afinal a imparcialidade não existe.
Nos últimos episódios a série tenta mostrar que a grande corrupção não é diferente da pequena corrupção. Tenta mostrar que várias atitudes que todos nós temos diariamente são parte da mesma engrenagem que permite a roubalheira maior. Eles não estão errados, a Lei de Gerson impera por aqui, mas a lição de moral se perde em meio a tantos pequenos delitos cometidos pelos personagens que tentam demonstrar esse grande mecanismo.