Eles usam uniformes, têm superpoderes, combatem o mal, vivem em uma mansão comandada por um gênio milionário. Mas, eles também são pré-adolescentes, irmãos, adotados/comprados pelo mesmo gênio milionário. Criados para serem perfeitos, o que causou muitos traumas e resultou em uma família completamente problemática. Essa poderia ser mais uma série sobre um grupo de super-heróis, mas não é, ela é muito mais do que isso. Eles até precisam salvar o mundo, mas primeiro precisam lidar com traumas, problemas familiares e aceitação paterna.
The Umbrella Academy (baseada no quadrinho homônimo), conta a história de sete irmãos que nasceram em 1989 durante um evento misterioso, quando 43 mulheres por todo o mundo, ficaram grávidas e deram a luz no mesmo dia, do nada. Intrigado com o ocorrido, o milionário Reginald Hargreeves (Colm Feore), saiu pelo mundo decidido a comprar essas crianças dessas mães. Sim, bizarro, eu sei. Sete dessas crianças foram entregues a ele, que as criou como seus filhos com o intuito de observar os superpoderes que eles tinham e testar seus limites. Claro que isso causou muito trauma e problemas entre eles.
Cada filho, ao invés de ganhar um nome, ganhou um número, o que já explica muito sobre o relacionamento do pai com os filhos. Eventualmente eles acabaram ganhando nomes da mãe, que é um robô criado por Reginald para conseguir lidar com crianças superdotadas. Nem é preciso citar que a mãe robô é muito mais amorosa que o pai humano, criando uma alegoria bem interessante sobre o papel da mãe na família. Por um lado, uma mãe humana não conseguiria lidar com aquelas crianças, por outro, seria Reginald tão desconectado da sociedade e da necessidade de afeto, que preferiu ter ao seu lado um robô programado do que uma mulher de verdade. Sim, não morro de amores por esse personagem.
Toda a trama da série gira em torno de dois eventos, o primeiro, e o que reúne os irmãos, agora adultos, com mais de 30 anos, é a morte do pai, que parece ter sido misteriosa. O segundo, é um eminente apocalipse que está para acontecer nos próximos dias e que vai acabar com toda a humanidade, inclusive os irmãos Hargreeves. Durante o funeral, percebemos que faltam dois irmãos, Ben, o número seis (Justin H. Min), que descobrimos que morreu tragicamente, e o número cinco (Aidan Gallagher), que volta do futuro durante a funeral do pai, e que traz a notícia do fim do mundo.
O que mais chama atenção para a série, e que a torna interessante, é que o mistério da morte do pai e o fim do mundo tornam-se pano de fundo para a verdadeira intenção da série, que é discutir como aqueles sete irmãos se tornaram quem são. Não por causa dos poderes, mas por todo o estrago que o pai fez. Os dois irmãos que parecem mais problemáticos são Vanya, a número sete (Ellen Page), e muito emblemático ela ter esse número, sendo que ela é a única que não tem poderes e a que mais foi negligenciada pelo pai. E Klaus, o número quatro (Robert Sheehan), viciado em drogas e que aparenta não ligar muito pra nada. Logo eles se mostram ser “normais” dentro daquela família, já que os outros três que aparentam terem sido os favoritos e os que tiveram mais sucessos em suas vidas, também enfrentam problemas pessoais. Luther, o número um (Tom Hopper), sempre foi o filho perfeito, tem uma força descomunal e sempre foi o favorito, até sofrer um acidente e ser exilado, pelo pai, na Lua. Allisson, a número três (Emmy Raver-Lampan), tem o poder de fazer as pessoas fazerem o que ela quer e com isso conquistou fama e uma família perfeita, mas de perto ela mostra que sua vida não é perfeita em nada. Já Diego, o número dois (David Catañeda) continua combatendo o crime como um vigilante mascarado que trabalha com a polícia, ele se recusa a mostrar sentimentos e é o mais apegado a mãe.
Vanya e Klaus logo se mostram bem mais importantes do que aparentam. Vanya quer a aceitação dos irmãos e do mundo. Ela toca violino, mas algo parece prende-la dentro do potencial que mostra ter. Já Klaus é sensível, tão sensível que consegue se comunicar com os mortos, razão que o leva a usar drogas o tempo todo. Cada um dos irmãos vai desvendando suas feridas, a questão de terem que voltar a trabalhar em conjunto para deter o fim do mundo, acaba virando uma grande terapia em grupo. Conforme vamos conhecendo suas histórias e traumas, vamos nos afeiçoando a eles e odiando o pai.
A série The Umbrella Academy é baseada no quadrinho da Dark Horse, criado por Gerard Way (da banda My Chemical Romance) e Gabriel Bá. Em uma entrevista, Way explicou que sua intenção era exatamente essa, mostrar uma família disfuncional, unida por traumas, que briga, mas que se ama acima de tudo, como qualquer outra família. Além de também discutir a aceitação do que é diferente e a auto aceitação. Pra quem busca mais uma série de super-heróis, vai ganhar de presente muito mais. Uma história com várias camadas, personagens muito bem construídos, uma trama que prende atenção, além de uma qualidade estética impecável. Ah, e uma excelente trilha sonora.