Resenhas

A Cultura – a Utopia espacial de Iain M. Banks

 

 

 

Recentemente, quando elaboramos a lista da biblioteca essencial da Redação, eu incluí um livro não publicado no Brasil: Use of Weapons, de Iain M. Banks. Não foi esnobismo, acho que esse escritor merecia ser mais conhecido. Falecido em 2013, o escocês até agora só tem dois livros publicados por aqui. Fábrica de Vespas (Darkside), seu romance de estreia, é a arrepiante história de um jovem psicopata, narrada com muita tranquilidade em primeira pessoa pelo próprio serial killer em formação. Uma Canção de Pedra saiu há quase 20 anos, e é difícil de encontrar.

Mas além dos romances contemporâneos, Banks também escreve ficção científica, que diferencia assinando com uma inicial no meio, o “M.” A Partir de Consider Phlebas, em 1987, ajudou a renovar o subgênero Space Opera, aquele tipo de aventura espacial pro qual os críticos geralmente torcem o nariz. Banks imaginou uma sociedade avançadíssima, pós-escassez, onde não falta nada – a Cultura. Funciona como uma utopia anarquista, administrada sabiamente por inteligências artificiais.

Mas nem tudo é perfeito, e Banks introduz alguns questionamentos. Afinal, ao aderir à Cultura, as sociedades abrem mão de grande parte de sua autonomia. E tem gente que desconfia das máquinas e que receia se tornar escrava delas. E assim surgem os conflitos. Outros consideram que numa sociedade em que nada falta, os cidadãos não passam de crianças mimadas pelos computadores, em vidas vazias, sem objetivo. Ou seja, nem todo mundo acha essa utopia perfeita.

A série tem vários livros primorosos. Além de Consider Phlebas, poderia citar o genial The Player of Games, o misterioso Excession, ou o épico Look to Windward. Mas escolhi Use of Weapons pra representar a obra de Banks porque foi o primeiro que eu li e tem uma virada final absolutamente sensacional, que dá outro sentido à história. É daqueles livros que você imediatamente quer reler pra reexaminar tudo levando em conta a revelação final.

Cheradenine Zakalwe é um super-espião, um agente de Circunstâncias Especiais, uma divisão da Cultura especializada em lidar com sociedades hostis (hostilidade que é vista como sinônimo de primitivismo pelas inteligências artificiais). O livro corre em duas narrativas paralelas: uma é a missão atual de Zakalwe, e a outra, um longo flashback, vai destrinchando o passado tumultuado e traumático dele. As duas linhas acabam se encontrando com a revelação de um segredo de arrepiar.

Banks escreve sua ficção científica com a mesma complexidade de seus livros contemporâneos: não é o caso de um escritor precisando ganhar uns trocados – pelo contrário, resolveu escrever romances “normais” porque no começo de carreira não conseguia publicar sua ficção científica. E além de todas as questões éticas que discute com a Cultura, tem o lado humoroso desse escocês (autor também de um ótimo livro sobre whisky). A naves espaciais são personagens à parte, cada uma com sua inteligência artificial com personalidade própria e nomes irônicos. Em Use of Weapons, temos, entre outras, a “Tamanho Não é Documento” (que obviamente é gigantesca) e a filhote dela, “Doce e Cheia de Graça”. Player of Games tem “Chega de Sutileza” e “É Claro Que Eu Ainda Te Amo”.

Um grande escritor, cuja obra – contemporânea ou ficção científica – vale a pena descobrir.

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