‘Gwendy’s Button Box’ – A Caixa de Botões de Gwendy – é uma pequena novela escrita por Stephen King e Richard Chizmar e publicada em 2017. É uma espécie de exercício e prequel para o livro que King lançará em Outubro de 2018, Elevation, de acordo com o autor.
Ambientado na insólita década de 70, a narrativa comporta um clima quase nostálgico de uma época sem internet, telefones celulares e redes sociais. O cenário é a não menos insólita cidade de Castle Rock, criada por King e palco de diversas e terríveis narrativas. O próprio diabo já abriu uma loja em Castle Rock.
Mas existe uma caixa mágica.
Uma caixa dada de presente por um estranho chamado Mr. Farris – de certa forma, King e Chizmar subvertem o velho conselho sobre não aceitar presentes de estranhos. É raro, mas um presente pode ser potente, pode ser algo bom. No caso, trata-se de uma caixa de botões – uma caixa de madeira, com botões em cima para apertar e pequenas manivelas nas laterais; cada manivela abre uma pequena gaveta e dentro Gwendy encontra um Morgan silver dollar (uma moeda de prata de um dólar), e na outra gaveta um pequeno chocolate em forma de animal. O doce ela come, a prata ela guarda.
Mas, como nos lembra Ben Parker (o tio de Peter Parker, o Homem-Aranha), “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. São oito botões na superfície da caixa. Seis coloridos, representando os continentes – Ásia, África, Europa, Austrália, América do Norte e América do Sul. Os outros dois, um vermelho e um preto, são um pouco mais complexos: o vermelho representa qualquer coisa que Gwendy queira e o preto representa tudo, “a coisa toda”.
Apertar cada botão tem uma consequência que Gwendy descobrirá no decorrer da breve novela.
O tema da ‘caixa misteriosa’ é atualizado por King e Chizmar: o destino do mundo encontra-se, literalmente, nas mãos de uma menina de doze anos.
Como nos comportamos diante do mundo, de um mundo em constante colapso?
Gwendy, aos 12 anos, enfrenta um desafio – nesse aspecto ela me lembrou um pouco a protagonista de The Girl who loved Tom Gordon, Trisha, perdida em uma floresta e tendo que enfrentar seus medos e outros monstros.
A ‘Caixa de Botões de Gwendy’ comenta sobre as responsabilidades num mundo em tensão – a década de setenta foi marcada pela polaridade da Guerra Fria, o medo da ameaça nuclear e dos mísseis e a possibilidade de destruição de partes do planeta ao alcance de uma mão apertar um botão… Se homens e políticos protagonizavam espetáculos das guerras, do medo, das ansiedades e angústias, uma insuspeita menina em Castle Rock cuidava do mundo – destruir ou preservar?
Nesse sentido, lembro também do mais recente livro de Donna Haraway, Staying with the Trouble e a possibilidade de produzirmos ‘habilidades de respostas’ – a autora faz um jogo com a palavra responsability/response-ability. Apre(e)nder com a diferença, com a alteridade; negociar a culpa, desfazer e refazer o jogo.
Gwendy guarda um segredo e isso tem um peso – o peso do acúmulo dos dólares de prata, o peso da caixa de botões… ao mesmo tempo, suas questões com o próprio corpo são magicamente resolvidas.
O nome da protagonista, como é explicado pela própria, é uma combinação entre Gwendolyn (vontade do pai) e Wendy (desejo da mãe). Não é primeira vez que King utiliza a referência de Wendy (Peter Pan) para compor uma personagem. Em ‘O Iluminado’ a esposa de Jack chama-se Wendy. Esse nome marca e convoca personagens fronteiriças, que podem transitar entre mundos e cujo peso é removido através de uma operação mágica.
Talvez eu esteja tentando tirar alguma coisa de uma novela que – talvez – não tenha tanta coisa assim, mas é interessante pensarmos nos poderes que nossos gestos e ações engendram. As redes sociais podem ser, também, caixas mágicas que destroem não mais continentes e sim subjetividades, políticas, corpos, relações, desejos…
Se migramos de um contexto macro para a corrosão das micropolíticas dos afetos, é urgente o cuidado – e nem sempre o cuidado, as habilidades de respostas e as permanências nos problemas irão nos livrar das perdas e golpes que o Universo impõe.
Sobre a insanidade e aleatoriedade do mundo – now and then – há um trecho simbólico:
O botão preto explode tudo.
“Não pode ser”, ela sussurra para si mesma enquanto volta para a cama. “Isso é insano.”
Mas o mundo é insano. Você só precisa assistir às notícias para ver.
E se o mundo é insano, o insólito é possível. O encontro entre o melodrama cotidiano e o improvável abre outras possibilidades de vidas.
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