Filme

Infiltrado na Klan

Ron Stallworth (John David Washington) é o único policial negro do Departamento de Polícia de Colorado Springs, no Colorado, em 1978. Uma cidade extremamente racista, que não conseguia conviver com os grupos de conscientização negra mas não via problema na Ku Klux Klan. O mesmo departamento de polícia que trata os palestrantes negros de Direitos Civis, como marginais que devem deixar o estado o mais rápido possível, mas que não veem problema no discurso de ódio difundido por David Duke (Topher Grace), o líder da Ku Klux Klan na época.

Desde o início do filme que Spike Lee deixa claro que ele está contando aquela história para fazer um paralelo ao mundo que vivemos hoje, principalmente para mostrar como os EUA chegaram ao ponto de ter Donald Trump como presidente. Há uma cena em que um policial comenta com Ron sobre o perigo que Duke representa, que ele está tentando mudar de postura em relação a Klan para poder seguir carreira política, demonstrando estar claramente preocupado com um homem daquele no governo. Ron faz pouco caso do colega e comenta que um homem como Duke nunca seria presidente dos EUA. O que faria qualquer pessoa aqui, em 2018, tremer já que Trump foi eleito em 2016, estamos assistindo a extrema-direita crescer no mundo inteiro e o Brasil está às vésperas de empossar Jair Bolsonaro como presidente.

Essa conversa entre Ron e o policial mostra que Lee também usa a auto-crítica em seu filme. Apesar de mostrar os participantes da Ku Klux Klan como caipiras, white trash, caras ignorantes, misóginos, homofóbicos e antissemitas, ele cai no mesmo erro que quer criticar, porque a grande maioria podia ser composta por esses caras mas sabemos que nesses grupos sempre há os empresários, os políticos e as pessoas de verdadeira influência que permitem que homens como Trump, Bolsonaro e etc, consigam chegar onde chegaram.

Nos créditos de abertura, Lee deixa claro que aquela é a versão dele da história de Ron Stallworth. Ele pega um pequeno recorte e conta a história do seu filme: Um policial negro que consegue se tornar membro da Ku Klux Klan e que usa um colega branco e judeu, para participar das reuniões e sabotar planos violentos como atentados. Antes de começar seu trabalho com a Klan, Ron foi enviado como infiltrado a uma palestra do líder nacional dos Direitos Civis, Kwane Ture, na Universidade do Colorado. Para o Colorado essas palestras são perigosas, porque incitam a violência. Enquanto na verdade eles estão apenas tentando se afirmar como um grupo que deve ter os mesmos direitos civis que todo mundo e serem tratados com respeito. Há uma maior necessidade em se unirem como forma de proteção e auto-afirmação como indivíduos sociais, do que incitação ao ódio contra os brancos. Aliás, esse último item nunca esteve em pauta durante o filme. No documentário “Eu Não Sou Seu Negro”, James Baldwin explica que o homem negro não tem raiva do mundo, ele apenas quer se defender para poder sobreviver. Já o homem branco tem medo do que não conhece e uma necessidade violenta de exterminar o que não conhece. E de certa forma O Infiltrado na Klan (Blackkklansman, EUA, 2018) mostra isso.

Todo o filme é composto de nuances e mensagens nas entrelinhas, não há um personagem ou fala que não remitam à momentos reconhecíveis atualmente. Ron é o policial negro em um departamento branco, que precisa lidar com o racismo diariamente. O departamento em que trabalha reconhece o valor de seu trabalho, mas com restrições, ao mesmo tempo que fecha os olhos para policiais corruptos e violentos. Há Patrice Dumas (Laura Harrier) presidente do diretório estudantil da Universidade do Colorado, que sabe muito bem o que é sofrer com brutalidade policial, que mostra a Ron a importância de grupos de apoio aos direitos civis negros e do feminismo. Além do policial e parceiro de Ron, Flip Zimmerman (Adam Driver), um policial judeu, que não se vê como judeu, que não se incomoda com as piadas racistas e antissemitas dos colegas, até passar a conviver com os membros da Klan, como infiltrado através de Ron, e começar a perceber o quão nocivas aquelas atitudes são.

A história de Ron Stallworth é real, o policial conseguiu enganar a Ku KLux Klan a ponto de sabotar atentados contra grupos de minorias, planejados pela organização. O filme se baseia na autobiografia escrita por Stallworth, “Black Klansman: A Memoir”, mas dá um colorido especial, ao transformar o parceiro de Ron em um judeu, para aprofundar o discurso sobre racismo e auto-aceitação. Além disso, Spike Lee brinca com os filmes da Blaxploitation para compor seu filme e dar um tom um pouco mais leve e divertido a um assunto tão sério, sem cair no ridículo. “Make America Great Again”, “America First” e “Taking Back America”, são slogans atuais para o mundo, proferido por Trump e seus seguidores, mas que são usados com muita propriedade pelos membros da Klan no filme, como frases de incentivo àqueles que acreditam que o país precisa de uma “limpeza” racial e moral.

É quase impossível comentar sobre O Infiltrado na Klan em apenas um texto, esse é um filme reflexivo, atual, construído em camadas, que necessita um estudo, um tempo maior e vários debates. Essa é a volta do Spike Lee crítico do “Faça a Coisa Certa” e esse é mais um filme necessário nessa virada de 2018 para 2019.

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