Três anos antes de publicar 1984, George Orwell escreveu uma resenha de Nós, de Ievguêni Zamiátin (Aleph, trad. Gabriela Soares), para uma revista política de esquerda na Inglaterra. Fica clara a impressão que o livro do autor russo deixou no inglês, e a influência de Nós sobre 1984. Para Orwell, Nós era mais relevante do que Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (1932). (Leia a resenha completa aqui em inglês )
Zamiátin projeta um futuro distante em que a população mundial foi dizimada por uma guerra, e os remanescentes se uniram no Estado Único, cercado por muralhas. Todos vestem uniformes e são designados por números. As paredes são de vidro, então praticamente não há privacidade. Só na hora do sexo – quando por uma hora o cidadão pode baixar as cortinas. O governante é conhecido como O Benfeitor, e é reeleito anualmente – por unanimidade, é lógico.
A lógica cientítica é a diretriz principal do governo. Tudo é calculado cientificamente.
A vida ordeira de D-503 começa a mudar quando ele conhece I-330, uma mulher que tem ligações com um movimento rebelde. D-503 fica dividido entre a paixão e a lealdade ao Estado. Este por sua vez passa a aplicar um tratamento definitivo contra o mal da imaginação: um procedimento cirúrgico que envolve a aplicação de raios-x no cérebro, uma espécie de lobotomia para formar cidadãos contentes e trabalhadores. E no entanto, Zamiátin ainda encontra espaço para deixar um fio de esperança.
George Orwell argumenta que Nós foi escrito muito cedo para ser considerado uma crítica direta ao regime soviético. O primeiro esboço é de 1919, apenas dois anos depois da Revolução Russa. Para Orwell, a influência maior era o que Zamiátin tinha visto do capitalismo industrial na Inglaterra, onde tinha passado uma temporada como engenheiro naval. Zamiátin havia sido preso duas vezes ainda no regime czarista, e inicialmente apoiou a revolução. Mas aos poucos começou a satirizar o novo regime, e em 1921, o recém-formado comitê de censura proibiu a publicação de Nós. O escritor conseguiu contrabandear o manuscrito para fora do país, e acabou publicado em inglês em Nova York em 1924. Quando o texto original em russo começou a ser contrabandeado de volta para a URSS, Stalin não gostou nem um pouco. Zamiátin não conseguiu publicar mais nada. Em 1931, graças à intervenção do amigo Maksim Górki, Zamiátin conseguiu de Stalin autorização para deixar o país. Acabou morrendo na miséria na França em 1937. Só foi redimido e publicado na União Soviética mais de 50 anos depois, graças à glasnost de Gorbachev, em 1988, junto com… 1984.
D-503: “Nossa revolução foi a última e nunca poderá haver outra. Todos sabem disso.”
I-330: “Meu querido, você é um matemático. Me diga, qual é o último número?”
D-503: “Mas isso é absurdo. Números são infinitos. Não pode haver um último.”
I-330: “Então por que você fala em última revolução?”
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