Apaixonada que sou por Halloween, não poderia dar menos atenção ao folclore brasileiro. Como toda lenda que se preze, nosso folclore é rico em cultura, macabrice e lições e, por mais que muita gente lembre da Cuca do Sítio do Pica-Pau Amarelo (Monteiro Lobato) ou do Saci fofinho da Turma da Mônica (Maurício de Sousa), essas representações mostram a “realidade” das nossas histórias como as versões da Disney dos contos de fadas. Se não ficou claro, eu explico: contos de fadas e lendas folclóricas brasileiras são bizarros pacas! E são incríveis justamente por isso.
Bem, dito tudo isso, sempre senti falta de livros que abordassem nossas lendas de uma forma não infantil. Claro que o Dicionário de Folclore Brasileiro do Luís da Câmara Cascudo é sensacional, mas não é ficção. Ele é um guia para estudiosos e curiosos sobre o tema. Então, há alguns anos, um amigo ilustrou um livro de lendas. O querido PJ Kaiowá foi responsável por um dos 50 personagens que estão nas páginas bilingue de Lendas (Chiaroscuro Studios). Meu marido e eu nos empolgamos, compramos a edição de capa dura e não nos desapontamos. Cada página dupla traz uma lenda ilustrada e sua respectiva história, com informações sobre origem e até as regiões do Brasil onde a lenda é mais popular. Mas, ainda assim, não era exatamente o que eu queria.
Aí, a Netflix resolveu investir em um projeto que tem, em seu núcleo, dois outros autores brasileiros. Os colegas Carolina Munhóz e Raphael Draccon criaram a história de Cidade Invisível, série de 7 episódios desenvolvida por Carlos Saldanha. A série conta a história de Eric, um policial da Delegacia Contra Crimes Ambientais que perde a esposa em um incêndio que ele acredita ter sido criminoso (briga de uma construtora contra os moradores de uma comunidade à beira de um bosque). Aí, enquanto Eric (interpretado pelo lindo e competente Marco Pigossi) investiga a situação, mais crimes e bizarrices começam a acontecer, tudo relacionado com entidades folclóricas.
Mas não é “do nada” que essas entidades surgem, muito menos é “do nada” que elas se envolvem nessas questões. Tudo é relacionado com o crescimento desenfreado e predatório das cidades, do urbanismo, com a perda das raízes, sejam elas reais ou metafóricas. E, é claro, Cuca, Saci, Curupira estão muito pistolas!
Destaque para esses três, que são sensacionais (interpretados respectivamente por Alessandra Negrini, Wesley Guimarães e Fábio Lago)! E para nossa Iara, a bela Jéssica Córes (que canta uma música de Ney Matogrosso e não poderia ser mais perfeito). Sinceramente, eu assistiria uma temporada todinha só com Wesley, Fábio e Alessandra. São sensacionais (mesmo eu tendo uma outra ideia da Cuca na minha cabeça). “Cidade Invisível” tem suas falhas, claro. Mas nada que machuque a narrativa ou que force demais a barra do imaginário popular.
“Cidade Invisível” é uma série de plataforma de streaming, mas era essa pegada que eu estava procurando para nosso amado folclore. Temos tantas narrativas – em livro, série e filme – sobre lendas gringas, mas e as nossas? Superstição, crendice, cantigas… tudo isso faz parte de ser brasileiro e integra nosso folclore, mas acabamos deixando-o cair na invisibilidade depois que saimos da escola. Muitas de nossas lendas pregam contra o preconceito, contra a destruição da flora e fauna. Tem coisa mais atual do que isso? É isso que precisamos: honrar nossas raízes e criar novas narrativas sobre elas, respeitando de onde elas vêm, o que elas contam, mas permitindo-as ir para novos lugares.