E chegamos finalmente à premiação do Hugo, na Convenção Mundial de Ficção Científica em San José, na Califórnia. A politização do evento continuou, mas a grande manifestação da direita alternativa que se diz excluída reuniu, segundo o blog File770, apenas 40 pessoas. Voluntários de camiseta cor de rosa se ofereciam para escoltar quem se sentisse ameaçado.
A equipe da revista Uncanny, a minha favorita, deu o tom da diversidade da premiação no palco. Foi o terceiro prêmio na categoria Semiprozine (revistas que pagam aos escritores, mas têm tiragem pequena, algo entre uma fanzine e uma revista profissional). A Uncanny tem publicado escritores das mais diversas etnias, nacionalidades, orientações sexuais. Acaba de dedicar uma edição a escritores com deficiência.
Lynne e Michael Thomas ainda voltaram ao palco pra receber prêmio de Melhor Editor (formato curto, ou seja, contos). Michael foi mais um a falar de política, e convocou todos a resistirem às trevas. Viva os Unicórnios Espaciais!
Rebecca Roanhorse ganhou o prêmio John W, Campbell de escritora nova – a primeira afro-indígena. E agradeceu à tribo à qual a região de San José costumava pertencer. E ainda ganhou o Hugo de Melhor Conto, por Welcome to Your Traditional Indian Experience ™. Merecidíssimo. Um conto sobre a apropriação da cultura indígena, que assim que eu terminei de ler sabia que tinha que vencer.
Marjorie Liu e Sana Takeda ganharam novamente por Monstress (Volume 2) na categoria Graphic Story (no popular, quadrinhos). Takeda ainda foi escolhida Melhor Artista Profissional.
Melhor Apresentação Dramática – Longa (filmes ou temporadas inteiras de séries) foi para Mulher Maravilha. Mais um sinal da força das mulheres no gênero hoje em dia.
Ursula K. Le Guin ganhou mais um Hugo, o sétimo, agora póstumo, por uma coletânea de artigos.
Lois McMaster Bujold outra veterana levou o de Melhor Série, por O Mundo dos Cinco Deuses. Outra que precisa ser publicada em português.
A divertida Secret Life of Bots, de Suzanne Palmer, foi a Melhor Noveleta. Mais uma em que eu votei.
A Melhor Novela, All Systems Red, de Martha Wells, foi minha segunda opção. Mas não deixa de ser merecido, é excelente. Duas continuações já na fila pra ler, com uma terceira já pra sair. É sobre um ciborgue que trabalha como segurança de elite, mas também é sobre autismo.
O Prêmio inaugural para Melhor Romance Jovem Adulto foi para Akata Warrior, de Nnedi Okorafor, continuação de Bruxa Akata (publicado aqui pela Galera Record, tradução João Sette Câmara).
E finalmente, N. K. Jemisin fechou a trilogia da Terra Partida ganhando pelo terceiro ano seguido, uma façanha inédita, por The Stone Sky (a editora Morro Branco, que já publicou A Quinta Estação aqui, promete o segundo volume, The Obelisk Gate, pra este ano e The Stone Sky pro ano que vem). E Jemisin finalmente compareceu, depois das ausências nas vitórias anteriores, para fazer um discurso fortíssimo. Disse que é preciso reconhecer que o mundo está partido para que possamos consertá-lo. Se disse recompensada por não ter escutado quando editores recomendaram que ela contivesse a raiva. Disse que o prêmio era uma resposta àqueles que mais de uma vez disseram que ela não tinha lugar no gênero por ser negra, ou que insinuaram que ganhava prêmios não por merecimento, mas por motivos políticos. Resumindo, uma resposta definitiva àqueles que tentaram nos últimos anos desviar a premiação do Hugo para favorecer escritores com tendências de extrema-direita, e porque não dizer, racistas. (Vejam a Segunda Parte dessa série de artigos.)
Foi também o terceiro ano seguido em que as mulheres venceram todas as categorias principais. Mais um sinal de evolução do gênero, que no passado não tão remoto era visto como um clube de meninos. O futuro, mais do que nunca, é mulher.