Hoje em dia é normal ler e assistir a releituras de contos de fadas. De maneira metafórica ou direta, personagens que vivem no nosso imaginário desde a nossa infância estão sempre por aqui, nos ensinando sobre como aparências enganam, como é importante ser gentil e perdoar. Claro que algumas releituras trazem efetivamente mais conteúdo a ser debatido do que outras, mas todas são válidas se o assunto é resgatar valores e se divertir.
Ao receber “Enquanto Bela Dormia”, pensei que encontraria isso entre suas páginas: apenas mais uma releitura. Mas fui surpreendida positivamente pela escrita cuidadosa, honesta e sensível da americana Elizabeth Blackwell.
Para começo de conversa, um beijo e tchau para o “Era uma vez…”. Aqui, a história é contada em primeira pessoa, levando o leitor para dentro dos acontecimentos. Nossa guia é Elise, que na primeira e na última página do livro (não é spoiler!) é uma senhora idosa e cheia de memórias, nem todas boas. Mas entre esses dois momentos, acompanhamos sua infância e todo o trajeto que a fez sair do campo e ir trabalhar no palácio.
Elise sempre se mostrou inteligente e ambiciosa, mas sempre soube “o seu lugar”. Engraçado como parece que isso coloca a personagem para baixo, a diminui, mas não é o caso. É como se Elise fosse estrategista sem se dar conta. Ao entendermos como pensa e o que sente, vimos verdade em suas escolhas, em suas palavras. Conhecemos Elise e torcemos por ela e eu acho bárbaro como ela é uma mulher humilde que conquista a realeza não pelo fato do “pobre” conquistar o “rico”, mas pelo sentido de que quem tem coração bondoso sabe encontrar a mesma qualidade em outros, independente da classe social. Estratégia para conquistar o que quer, sim, mas sem malícia e sendo coerente com o período histórico no qual a história se passa. Palmas para a autora!
Mas nem tudo são rosas. Ou melhor, quase tudo. Aqui, a Bela Adormecida troca de nome. Ao invés de Aurora ela chama Rosa e é fruto do amor verdadeiro entre o rei e a rainha, mas que precisou de um “tempero bruxo” dado por Millicent, a tia misteriosa e amarga do rei, para vingar. Elise já era adolescente quando Rosa nasceu e é aqui que a situação realmente fica tensa.
O livro flui com uma narrativa muito longe do conto de fada e muito próxima do real, com dramas que precisam de decisões humanas e não de fadinhas coloridas nem de beijos de príncipes galantes. Aqui, quem salva o dia é a determinação de não se deixar abater, de continuar lutando para proteger quem amamos, sejam eles de laços de sangue ou só do coração.
“Enquanto Bela Dormia” (traduzido por Vera Ribeiro e publicado pela Editora Arqueiro) precisa estar na sua estante se você quer ler sobre uma mulher que tinha tudo para morrer de febre, de fome, de tristeza, de coração partido, mas escolheu dar a volta por cima não porque era esperado dela, mas porque se recusava a deixar seu espírito enfraquecer.
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