Na próxima sexta-feira (24) chega enfim ao Apple TV+ a série baseada na sequência Fundação, de Isaac Asimov. Uma espera de décadas para os fãs, e que também representa um grande desafio para os responsáveis pela adaptação.
A trilogia original foi inicialmente publicada em oito partes na revista Astounding Science Fiction, entre 1941 e 1950, e ganhou mais um capítulo de abertura, escrito para a publicação em livro em 1951. Fundação começa com o cientista Hari Seldon revelando uma previsão feita com base na ciência desenvolvida por ele, a psico-história. O Império Galáctico está decadente, e a humanidade vai atravessar um período de 30 mil anos de guerras e caos até se reerguer. Mas Seldon tem um Plano: estabelecer duas Fundações, em pontos opostos da galáxia, para preservar o conhecimento humano. Assim, o período de trevas seria reduzido a apenas mil anos. A trilogia original cobre os primeiros 400 anos, com vários saltos no tempo.
O primeiro volume lida com as dificuldades iniciais da Primeira Fundação, enfrentando investidas de governos regionais que se aproveitam da decadência do Império e tentam dominar a Fundação e o seu conhecimento industrial-científico – e, obviamente, bélico. Em Fundação e Império, temos uma anomalia, uma aberração não prevista pelos cálculos de Seldon: o Mulo, um mutante com poderes mentais capaz de controlar emocionalmente as pessoas, e que avança para conquistar a Fundação e formar um império próprio. Segunda Fundação lida com as consequências desse conflito, e com a busca pela resposta de um mistério: onde estaria a tal Segunda Fundação, proposta por Seldon, mas até então escondida? Que planos secretos a Segunda Fundação teria para a galáxia?
Em vários aspectos, Fundação não envelheceu muito bem – como aliás muito da ficção científica da chamada Era de Ouro das décadas de 1930 e 1940. O estilo literário é básico, seco, direto. Asimov também não é um autor muito visual: descreve apenas vagamente seu universo – embora a capital imperial, Trantor, que cobre a superfície inteira de um planeta, tenha sido inspiração direta para a capital imperial de Star Wars, Coruscant. As batalhas espaciais (que aparecem com destaque no trailer da série) acontecem todas fora de cena, são apenas mencionadas rapidamente pelos personagens. Não há muita ação, as cenas se resumem a diálogos e debates intermináveis entre os personagens. Asimov parece ignorar propositalmente a regra do “mostre, não conte.” Sem falar no papel das mulheres – ou melhor, na ausência delas. No primeiro volume não há uma só; nos dois seguintes, Bayta Darell e a neta Arkady até têm alguma agência, mas na prática Arkady é de certo modo manipulada pelos homens à sua volta. Isso na verdade é um problema mais amplo na obra de Asimov, mas felizmente os produtores da série resolveram “trocar” o sexo de alguns personagens. São falhas que o próprio Asimov reconheceu ao reler a trilogia antes de começar a escrever as continuações que viriam nos anos 1980.
O que explica então o sucesso e a permanência de Fundação, o que justifica a sua inclusão ainda hoje como uma obra-prima da Ficção Científica?
É uma narrativa baseada em Grandes Ideias. Ao longo de toda a série há uma discussão sobre destino x livre arbítrio. O plano de Seldon pode parecer determinismo, mas ao longo de toda a narrativa são as decisões dos indivíduos que fazem a História avançar. O desfecho nunca é inevitável.
Asimov gostava de usar a estrutura narrativa de mistérios. A história é uma longa sequência de resolução de problemas, em que cada avanço contém a semente do próximo problema a ser resolvido. Até os antagonistas (nem dá pra chamar de “vilões”), como o Mulo, são extremamente racionais, e discutem longamente seus motivos e raciocínios.
Nada é como parece – as viradas da trama são frequentes. Sem dar spoilers, Segunda Fundação tem uns três finais seguidos, em que você pensa que está tudo solucionado, até que aparece mais um personagem que diz: “na verdade, não é bem assim…” É como uma matryoshka, aquelas bonecas russas escondidas uma dentro da outra.
Asimov começou escrevendo inspirado na Ascensão e Queda do Império Romano, de Edward Gibbon. Mas para um autor – ainda mais sendo judeu – escrevendo no meio da Segunda Guerra, era um meio de dizer a si mesmo que Adolf Hitler seria derrotado e a humanidade voltaria a progredir.
Asimov defendia acima de tudo a ciência e a razão sobre o obscurantismo e a ambição dos políticos. Se Fundação tem um significado, é esse: a confiança de que o pensamento racional finalmente superará a ganância e o egoísmo.
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Excelente resenha. Vou ficar de olho em uma oportunidade e pegar.
Muito boa sua resenha.