Filme

Jojo Rabbit

Ser criança é viver metade do tempo no mundo dos adultos e metade do tempo dentro da sua própria cabeça, criando fantasias e brincadeiras para poder compreender a realidade que a cerca. Mas quando essa criança vive em uma realidade feita de violência e brutalidade, o mundo imaginário tende a ganhar um espaço maior em sua vida para poder suportar tudo. Assim acontece em Jojo Rabbit (EUA, 2019), filme no qual um menino de 10 anos, Johannes “Jojo” Betzler, mora na Alemanha nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial e faz parte da juventude nazista. A época mais intensa, quando o partido nazista precisava cada vez mais da juventude, porque estava perdendo a Guerra. Jojo vive em um mundo próprio, onde, para ele, os nazistas são os mocinhos e os judeus os grandes vilões do mundo. Sua visão é tão unilateral de tudo o que está acontecendo, que seu amigo imaginário é Hitler (aqui personificado por Taika Waititi, diretor do filme).

Tinha que ser o diretor de Boy (de 2010) e Hunt For the Wilderpeople (de 2016), ambos sobre crianças que usam a fantasia para fugir da realidade, para transformar o árido livro “Caging Skies” da Christine Leunes em uma fábula sobre crescer em um mundo violento. O Jojo de Waititi é adorável, protegido por sua mãe, interpretada por Scarlett Johansson, que cria um mundo de brincadeiras para que ele não perceba exatamente o que está acontecendo, ao mesmo tempo que dá toques de que aquele mundo está bem longe de ser perfeito e que ele precisa ficar atento aos sinais.

Ao redor de Jojo, Waititi colocou os personagens mais caricatos possíveis, o que poderia ser um erro, mas não aqui. O exagero e o escracho do diretor ganham o tom certo dentro do filme, no qual suas caricaturas ganham duplo sentido, a de mostrar o quão ridículo é o nacionalismo extremo, o quanto a ignorância propagada pelo nazismo beira o surrealismo e ainda assim era aceita como verdade. Ao mesmo tempo que aqueles são personagens vistos pelo ponto de vista de uma criança, que se identifica com eles por serem tão simplórios. Pode parecer uma interpretação rasa de um período tão sombrio da História, mas não é. O filme de Waititi começa em uma explosão de cores, com crianças vestidas com os uniformes da juventude nazista copiando trejeitos, comportamentos e falas de adultos tão infantis quanto elas. Eles estão em um acampamento de verão aprendendo a serem bons soldados, apesar da pouca idade. Ali são liderados e monitorados pelo Capitão Klenzendorf (Sam Rockwell), seu assistente, Finkel (Alfie Allen) e a Fraulein Rahm (Rebel Wilson). Não há a mínima preocupação do diretor de ser fiel a fatos históricos, porque a intenção aqui não é fazer mais um filme sobre a Segunda Guerra Mundial, mas falar e criticar duramente a intolerância e a exaltação da ignorância e da mentira, fatores que estão ganhando força na nossa realidade hoje, 2020, quase 80 anos depois. Por isso a importância dessa narrativa, de mostrar que não deve mais existir espaço para a volta desse período horroroso de nossa História.

Jojo se machuca com uma granada de mão no acampamento, ganha uma cicatriz no rosto e sua percepção das coisas começa a mudar. O amigo imaginário de Jojo é um Hitler abobalhado, infantil, que paira em seu mundo como um super-herói paira no mundo de uma criança de hoje em dia, porque a única realidade que o menino conhece é aquela, e nela Hitler é um herói. Porém, enquanto fica em casa se recuperando de seus ferimentos, Jojo descobre o segredo de sua mãe: uma menina judia escondida na casa. Aquilo cria uma confusão enorme em sua cabeça, que sempre acreditou que o pai era um herói de guerra e a mãe uma alemã modelo, que trabalhava pro Terceiro Reich. O menino tem ideias bem fortes sobre como são os judeus. A ele foi ensinado que os judeus são monstros inumanos, capazes de atrocidades e que precisam ser destruídos. Mas conforme se aproxima de Elsa, (Thomasin McKenzie), ele percebe que suas convicções não são tão certas assim, que Elsa é bem humana, cheia de ideias, sonhos e medos, assim como ele. Conhecer melhor Elsa o faz entender melhor sua mãe, perceber sua humanidade além do filtro de perfeição que ela sempre teve pra ele. E nesse ponto, o filme permite a Scarlett Johansson a nos dar a interpretação perfeita da mãe que precisa mascarar a realidade para o filho, ao mesmo tempo que precisa ensina-lo a se proteger do mundo e compreender as injustiças.

O ponto de vista de Jojo muda junto com o tom do filme que perde o colorido forte e vai ganhando uma cor mais suave, como se fosse desbotando. O mundo de faz de contas de Jojo começa a desmoronar conforme ele vai conhecendo melhor Elsa e entendo quem é sua mãe. Até que a realidade destrói de vez seu mundo encantado, forçando-o a amadurecer antes do tempo. O filme de Taika Waititi conversa, por vezes, com “O Labirinto do Fauno”, de Guilhermo Del Toro, apesar de não ter o mesmo tom sombrio, e também com “Império do Sol”, de Steven Spielberg, principalmente quando a Guerra chega à cidade e vemos apenas as crianças tentando sobreviver. Mas a mensagem do diretor é bem clara: a ignorância, a intolerância, a mentira e o ódio não são e não devem ser bases para nenhum Estado, para nenhuma sociedade, não é possível ir em frente dessa forma.

Esse é um filme que está dividindo opiniões, porque ele toca numa ferida muito feia, que está aberta de novo e por isso deve ser cutucada e tratada. Não existe mais espaço para sutileza. Mesmo que o filme seja quase lúdico, por falar do nazismo pelo ponto de vista de uma criança, é preciso lembrar que esse é o olhar que mostra melhor a verdade, porque não há filtros preconcebidos. Logo, Jojo Rabbit mostra o nazismo como ele é, um ideal ridículo, horrível e que deve ficar no passado.

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