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The Post: A Guerra Secreta

Esse é um filme perfeito, mas não de uma forma positiva, porque ele é perfeito tecnicamente. Steven Spielberg chegou no ponto de sua carreira que consegue realizar um filme de uma forma quase sem defeitos. Luz, som, edição, cortes, colocação de atores, fotografia, trilha sonora, tudo milimétricamente muito bem calculado e montado de forma perfeita. Não há uma cena com problema, não há um corte de cena sujo, nada fora do lugar e isso é um problema porque ele nos lembra a cada cena que estamos vendo um filme. As melhores produções são aquelas que te permitem uma imersão na história, para isso o filme precisa de alma e esse não tem.

Ao mesmo tempo, The Post: A Guerra Secreta (The Post, EUA, 2017) é um filme bem importante nos dias atuais, em que a internet e as redes sociais dominam a troca de informação. Em tempos de fake news, a existência de um filme sobre um jornal nos anos 1970 brigando para poder publicar a verdade é muito necessário. E a vantagem, nesse caso, de ele ser tão perfeito tecnicamente é que ele também é didático. Mostra exatamente como funciona um jornal, explica o que está sendo discutido com cenas sobrepostas e ilustra muito bem diálogos. Numa época em que parece que as pessoas não sabem mais como interpretar textos, nem ler nas entrelinhas e muito menos entender subtextos, isso pode ser positivo.

No filme há duas tramas acontecendo paralelamente. No início dos anos 1970, Katharine Graham (Meryl Streep), viúva de Phil Graham (que era editor chefe e coproprietário do jornal The Washignton Post) agora é quem comanda o The Post, sem muito apoio de sua diretoria por ser uma mulher. Por decisão da diretoria, algumas ações do jornal foram colocadas à venda para aumentar o capital e assim manter a equipe. Porém nada de ruim pode acontecer ao jornal ou o acordo será quebrado. Ao mesmo tempo, o jornal New York Times publica uma matéria que faz parte de uma série sobre documentos secretos oficiais, que vazaram, sobre a participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. A Casa Branca consegue barrar a continuação da publicação do conteúdo desses documentos. Porém o The Washington Post, que tem como editor chefe Ben Bradlee (Tom Hanks), consegue acesso a esses documentos e decide continuar as denúncias contra o governo, mesmo que isso possa significar problemas com a Casa Branca também e até a quebra do jornal, já que os acionistas não concordam com essa decisão.

Todo esse incidente ficou conhecido como Pentagon Papers e foi extremamente positivo para o The Washington Post que conseguiu deixar de ser um jornal local para ganhar força nacional, assim como o New York Times, e se consolidou, logo em seguida, com as matérias que geraram o Watergate, famoso escândalo que levou ao afastamento de Richard Nixon da presidência dos EUA e que inspirou o livro comentado por Carolina Pinho aqui no site.

Dentro da perfeição de The Post há as atuações de Meryl Streep e Tom Hanks, dois monstros em cena. Meryl consegue transmitir muito bem a insegurança de Katharine, uma mulher atacada de todos os lados por ter caído num posto que não desejava, principalmente depois de perder o marido tragicamente. A vivaz Meryl dá lugar para uma Katharine mais contida, que fala baixo, que se sente muito mais à vontade entre amigos e recepções do que em uma sala de reunião com diretores e banqueiros. Mas uma mulher que se torna uma das mais importantes publishers dos EUA. Outro destaque no filme é Bob Odenkirk, que interpreta o jornalista Bem Bagdikian.

Como jornalista, The Post é um filme que conseguiu me tocar, mesmo com seus momentos de emoção calculados, o que sempre me irrita em filmes. Mas a luta de Katharine Graham em conseguir ter voz em um mundo dominado por homens já ajuda na identificação, assim como toda a trama para conseguir o direito de contar a verdade ao povo. Deixo o cinismo de lado para reconhecer que um filme tão bem montado sobre liberdade de expressão, sobre buscar os fatos e, principalmente, ver como um jornal que hoje tem o peso que o The Post tem, conseguiu crescer ao se comprometer com a verdade. Em era de Trump e Temer ver um filme que ataca um governo tão nocivo quanto os citados é bem animador.

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