Uma das coisas que mais se lê e escuta sobre as grandes atrizes da “Era de Ouro” de Hollywood, é que elas eram difíceis, impossíveis. Divas que davam trabalho, quando, na verdade, hoje percebemos que elas apenas queriam ter o controle de suas próprias vidas. Imagina, uma mulher querer isso na década de 1950? Hollywood e boa parte da indústria do entretenimento usou e abusou, de todas as formas possíveis, das grandes estrelas, até elas não terem mais serventia. Foi assim com Marilyn Monroe, foi assim com Judy Garland. E foi assim com tantas outras.
E esse não foi só um “privilégio” da Era de Ouro. Assistindo documentários sobre filmes dos anos 1980, descobre-se que boa parte das atrizes eram apenas objetos de cena, apenas precisavam ser bonitas, mais nada. E quando a beleza acabasse? Eles substituíam por uma mais nova. Claro que existem grandes atrizes que lutaram muito para conseguirem ter o controle de suas próprias carreiras e de suas histórias, mas essa briga está muito longe de acabar.
Caminhamos aqui para 2020, quando as mulheres do entretenimento como um todo estão unidas, levantam suas vozes e lutam com muito mais força por seus espaços. Porém, premiações como os Golden Globes e o Oscar parecem não querer abrir o clube dos meninos para as meninas. Não há uma mulher indicada para o prêmio de melhor direção, mesmo com grandes filmes dirigidos por mulheres em 2019. Poucas são as mulheres concorrendo a prêmios técnicos, para Hollywood, melhor atriz e melhor atriz coadjuvante já são prêmios suficientes para mulheres. Não estou desmerecendo esses prêmios de forma alguma, pelo contrário. Há anos o cenário vem mudando e as mulheres se destacando muito mais que os homens no quesito atores. Para cada Joaquin Phoenix há uma Charlize Theron, uma René Zellweger e uma Scarlett Johansson. Para cada Adam Driver há uma Cynthia Erivo, uma Saoirse Ronan e uma Florence Pugh.
Estamos no olho do furacão do movimento #metoo, que está mudando a forma como a indústria trata as mulheres, que está dando o protagonismo para as mulheres contarem suas histórias, que está mostrando que determinados comportamentos não cabem mais em nenhum ambiente de trabalho, qualquer tipo de trabalho que seja.
E é nesse cenário que chegamos ao filme Judy (EUA, 2019). Baseado na peça, “End of the Rainbow” de Peter Quilter, ele conta os últimos meses da vida de Judy Garland. Esse é um filme difícil, que mostra uma Judy Garland destruída, que desistiu de lutar, apenas quer sobreviver, que tenta o último suspiro de chama de sucesso em Londres, mas seu espírito já está destruído e ela não consegue mais ter forças. É 1969, a música está mudando, o mundo não se importa mais com grandes estrelas como ela e ela precisa manter a cabeça pra fora da água.
O filme faz um contraponto com o início da carreira da atriz, quando ela tinha 16 anos e atuou em “O Mágico de Oz”. Durante os flashbacks vemos que em nenhum momento ela é tratada como um ser humano, apenas como um produto caro e que deve dar lucro. O vício em pílulas para emagrecer e dormir já existia desde cedo e nunca houve espaço para ela ser ela mesma.
Judy morreu aos 47 anos, em Londres, destruída, sem sucesso, mastigada e cuspida por aqueles que não precisavam mais dela. E nesse ponto o filme vai bem fundo, mostrando quase nenhuma compaixão por aqueles que a cercavam. Há momentos ternos, como o casal gay fã da atriz desde sempre e a assistente de produção que logo percebe o quão fragilizada ela já estava.
Renée Zellweger se entrega ao papel, mas não tenta imitar Judy Garland. Sua atuação é honesta, tem o tom emocional necessário e em nenhum momento parece caricato. O filme claramente vem de uma peça, por isso é intimista, muito mais focado em atuações do que grandes cenas. Mas apresenta belos momentos musicais em que Zellweger se revela uma grande cantora.
É um filme forte, ao mesmo tempo que é um filme previsível. A personagem Judy Garland mais reage ao mundo a sua volta do que age. Ao mesmo tempo, pode ser que essa escolha de direção tenha o intuito de mostrar o quanto a atriz já estava destruída e desgastada emocionalmente.
Apesar de ser dirigido e roteirizado por homens, Judy é um filme importante para o momento que vivemos. Para mostrar como as grandes estrelas eram moldadas à base de ferro de fogo e o quanto isso era nocivo.