Se você está muito, mas muito afim de ver “O Hobbit: A batalha dos cinco exércitos”, a dica é: veja em 3D com tecnologia HFR. É uma verdadeira obra de arte, que faz valer qualquer ingresso.Agora, se você já não está tão afim assim… Deixai toda esperança vós que entrais. Essa resenha não vai te incentivar a gastar seu rico dinheirinho com isso.
“O Hobbit: A batalha dos cinco exércitos” é uma experiência de parque de diversões. Cenas impactantes que parecem saídas de um videogame, efeitos maravilhosos que provocam os sentidos, textura impecável. É uma janela para uma outra dimensão que parece bem mais legal do que o mundo real. E aqui terminam os meus elogios.
Não vou entrar nem no mérito da adaptação. Já falei aqui do meu desgosto sempre que alguém decide adaptar (mal) um livro e opta por dividi-lo em dois (ou mais) filmes. O Hobbit é o caso mais emblemático pra mim. Que tivessem dividido em duas partes, vai lá, agora TRÊS só poderia resultar nisso. Digo que não vou falar da adaptação porque, pra mim, toda a franquia d’O Hobbit nas telas não é uma adaptação, é uma livre inspiração. Enfiaram mil enredos de outros contos e livros, exageraram em coisas que não tinham margem para ser exageradas, inventaram descaradamente ligações e histórias que não existiam (e que NÃO PODERIAM EXISTIR).
Quando eu assisti o primeiro filme ainda fiquei um pouco animada, pensei: “é, talvez não fique tão ruim”. Quando fui ver o segundo, saí pensando: “poxa, perderam um pouco a mão em algumas coisas, mas devem melhorar no fim”. Ontem eu vi o terceiro e, por várias vezes, só o que passou pela minha cabeça foi: “acaba logo”.
As atuações não estão nada convincentes, pelo contrário, tem cenas que parecem saídas de uma novela mexicana. Por diversas vezes só salvam-se mesmo Gandalf e Bilbo. As cenas que deveriam ser divertidas são pastelonas, as cenas que deveriam ter um teor sombrio são levadas de uma forma tão forçada que quase dá vontade de rir de vergonha alheia. As cenas de ação são exageradas ao extremo, a ponto de ficarem surreais (pensem em um filme com umas 20 cenas da fuga dos barris). Pra vocês terem uma ideia, sem dar muitos detalhes para não cair em spoilers: UMA CRIANÇA É FEITA DE ARCO PARA ATIRAR UMA FLECHA. Forçaram várias ligações com os filmes da trilogia “O Senhor dos Anéis” (que, por sinal, era algo absolutamente desnecessário), e a maioria simplesmente nem ao menos faz sentido na linha cronológica e de pensamento da trama (dos filmes, porque, repito, não vou nem falar do tamanho da incoerência perante os livros).
Como adaptação de um livro, toda a franquia “O Hobbit” nos cinemas não é nada coerente com a trama original.
Como desfecho da trilogia, “O Hobbit: a batalha dos cinco exércitos” não é nada convincente como o filme de qualidade que poderia (e deveria) ser.
Reza a lenda que J.R.R. Tolkien brigou com seu amigo C.S. Lewis, porque, em outras palavras, ele fazia uma mistureba muito grande e, em sua opinião, fez de “As Crônicas de Nárnia”, um mundo fantástico que era surreal demais. Para Tolkien, fantasia era algo para se levar a sério, com lógica, coerência, e caráter crível. Ele queria criar (e criou!) um mundo que, apesar de fantástico, fosse tão completo e bem amarrado, que pudesse ser encarado como plausível em todos os seus aspectos.
Bem, que bom que ele está morto e não poder ver “O Hobbit: a batalha dos cinco exércitos”.
Não me admira que seu filho não queira mais adaptações. Christopher Tolkien (que rejeitou os filmes de “O Senhor dos Anéis”) em uma entrevista ao Le Monde em 2013 já dava o tom pessimista com o qual saí da sala de cinema ontem:
“Tolkien se tornou um monstro, devorado por sua própria popularidade e absorvido pelo absurdo do nosso tempo. O abismo entre a beleza e a seriedade do trabalho e o que se tornou é demais para mim. A comercialização reduziu a nada o impacto estético e filosófico da criação. Para mim existe apenas uma solução: me afastar.”