Sou uma pessoa muito cética, não curto livros de autoajuda, tenho preguiça de livros que todo mundo comenta que “mudou a vida”. Mas adoro reality shows, sou a louca dos realities e vejo os mais bizarros possíveis. Foi assim que eu, a pessoa mais cética possível, foi enfeitiçada pela fadinha japonesa da arrumação, Marie Kondo. Precisamos reconhecer que a Netflix foi genial em estrear o programa da guru da arrumação no dia 1º de janeiro, um dia que estamos todos em casa, cansados das festas de fim de ano, ao mesmo tempo que esperançosos com a perspectiva de todo um ano novo pela frente. Qual a melhor forma de começar um novo ciclo? Se livrando do passado que não serve mais, reorganizando a casa, arrumando os armários, se desapegando de tudo que não cabe mais em nossas vidas.
Apesar de que, em apenas uma semana, o programa Ordem na Casa com Marie Kondo (Tidying Up With Marie Kondo) tenha virado um fenômeno e o assunto mais comentado em quase todas as redes sociais, pode ser que algumas pessoas não façam ideia do que estou falando, então vou explicar. Marie Kondo é uma consultora de organização japonesa que já lançou quatro livros sobre organização, sendo o mais famoso o “A Mágica da Arrumação”, lançado no Brasil em 2015 pela Editora Sextante e traduzido por Marcia Oliveira. Publicado em 30 países, ele vendeu tão bem que tornou Marie Kondo uma das pessoas mais influentes de 2015 para a revista Time. Agora, Miss Kondo foi morar em Los Angeles com sua família, para poder aumentar sua influência através da Netflix, e mesmo sem falar muito bem inglês, ela já conquistou o mundo, afinal essa é uma boa influência.
Com um jeito suave e respeitoso, Marie entra na casa de famílias americanas e apresenta seu método KonMari de organização. A primeira coisa que chama atenção nesse método é o respeito que ela tem pelas pessoas da casa e, principalmente, pela casa toda. Antes de qualquer atitude, ela saúda a casa e a partir daí mostra que organização não precisa ser difícil e nem corrido. Ela conversa com as famílias, explica seu método e as deixa decidirem sozinhas o que desejam ter ou não ter mais em suas vidas. Kondo explica que devemos manter apenas o que nos traz alegria. O único ponto que tenho problemas com ela é sobre livros, porque TODOS OS MEUS LIVROS ME TRAZEM ALEGRIA! Tenho um conflito interno em relação a isso, porque ela acredita que 30 livros em casa é o suficiente. Claro que não, né?
Tirando esse problema com os livros, o método da Marie Kondo realmente é eficiente. Com apenas dois episódios resolvi usar o KonMari em minha vida e posso confirmar que é bem estimulante. Você passa a perceber que precisamos dar valor ao que já temos, que precisamos dedicar um pouco mais de tempo à nossa casa para que ela possa ser um lar. Sempre acreditei que o respeito é a melhor forma de viver com o mundo. Mas Marie Kondo me fez ver que é respeitando meu tempo, meu momento, minha casa, minhas coisas, que é possível ter uma vida mais tranquila. Pode parecer óbvio, mas não é. Quase todos os outros programas sobre arrumação e organização não respeitam o tempo das pessoas e esse é o maior problema. A serenidade de Marie Kondo é o segredo por trás de seu sucesso, além de mostrar que não é preciso ser perfeito o tempo todo, apenas encontrar seu modo de viver melhor consigo mesmo, colocar em prática e conviver com aquilo que te traz alegria.
Claro que dentro de toda essa alegria, precisamos problematizar um pouco e também comentar uma outra questão que o programa levanta, sem querer. O papel das mulheres dentro das famílias que são retratadas. Em todas as famílias de relacionamento heterossexual, os homens começam os episódios culpando as esposas pela bagunça da casa. Todos acusam ser esse o papel delas dentro da família, mesmo que sutilmente. Assim como todas as mulheres se sentem frustradas e diminuídas por terem uma casa bagunçada, como se tivessem “falhado em seus papeis” dentro daquela família. Porém, conforme o método KonMari começa a ser usado, há uma necessidade de toda a família trabalhar em conjunto, afinal todos que moram na casa precisam se desfazer de pertences que não tem mais função em suas vidas. É através desse momento que todos os homens percebem que eles também têm culpa pela bagunça, que eles também precisam ser organizados e que eles também precisam manter a casa organizada, afinal a casa é de todos e todos devem cooperar para que aquele permaneça como um lugar que traz alegria.
Por fim, sem querer, “Ordem na Casa” não apenas nos mostra como ter uma vida mais organizada de uma forma serena e sem estresse, como também que o machismo está tão entranhado em nossa sociedade que ele se destaca com força dentro do debate sobre os relacionamentos familiares. Aparentemente, Marie Kondo além de ajudar as pessoas a serem mais organizadas com mais serenidade, também vem ajudando alguns homens a descontruírem sua forma machista de ver o mundo e passarem a atuar de forma mais ativa dentro de suas casas.