Coluna

Clássicos Revistos

Eu tinha 12 anos quando fui apresentado a Fundação. Já era uma obra meio antiga na época. Agora, tem mais de 70 anos. Será que resistiu bem ao tempo? Tem gente que considera a Ficção Científica um gênero descartável, por causa das previsões não cumpridas. É um exagero: a FC é um gênero que vive em constante diálogo com ela mesma. Um escritor lança uma ideia, outro pega e desenvolve aquela ideia de outro ponto de vista, vem um terceiro e dá um outro olhar… Tem sido assim desde que H. G. Wells leu Júlio Verne e resolveu dar os seus pitacos.

Em tempos de crise no mercado literário, chega a ser um conforto chegar nas poucas livrarias físicas restantes e encontrar velhos amigos – Asimov, Heinlein, Herbert, PKD. Alguns clássicos da Ficção Científica resistem nas prateleiras, e ganham belos exemplares como os da Aleph, que está pra lançar uma edição de luxo da Trilogia Fundação, de Isaac Asimov, ilustrada por Alexander Wells e com tradução de Fabio Fernandes e Marcelo Barbão. Mas aí eu começo a me perguntar: como um adolescente de hoje reage a esses clássicos?

O certo é que às vezes a FC revela mais sobre as ansiedades da época em que foi escrita do que sobre o futuro que tenta prever. E aí é que mora a dificuldade pros leitores de hoje. Se atualmente a diversidade é a marca, nem sempre foi assim. Por várias décadas foi um clubinho de homens brancos. O que o gênero tinha de progressista em termos de tecnologia ficava devendo em termos sociais. Mulheres eram personagens secundárias, pessoas de cor eram raríssimas. Nem vou falar de sexualidade. Tudo começou a mudar nos anos 1960, e explodiu mesmo depois de 2000. É nesse aspecto, mais do que nas invenções, que a Ficção Científica clássica fica ultrapassada.

O futuro, na visão dos anos 1940

Gostaria de ver nessas novas edições uma introdução que contextualizasse a obra. Tem que lembrar que muitos desses pioneiros eram cheios de ideias, mas não tinham as ferramentas ou a preparação para desenvolvê-las. Eram autodidatas sem formação em literatura. Asimov estudou química. Heinlein matemática e física, Clarke idem. Ninguém estudava Letras, História, Artes, Comunicação. Escreviam com muita disposição, mas sem muita técnica, e vendiam as histórias para revistas baratas que pagavam mal. Pra sobreviver, tinham que escrever rápido e em grande quantidade. Era uma época pré-direitos civis, em que as mulheres tinham conseguido algum espaço no mercado de trabalho durante as guerras, mas de modo geral ocupavam cargos inferiores ou eram donas de casa.

E por aí vai. Tem muitas histórias boas nos clássicos, vale a pena dar uma chance, se transportar de volta pros anos 1940, e apreciar o que eles tentavam fazer, dentro daquele contexto. E depois, lendo uma Octavia Butler, uma N. K. Jemisin, entender como chegamos até aqui – e imaginar pra onde vamos.

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