Ler o livro antes ou depois do filme não importa. Leia. Veja. De nada!
Há alguns anos, meu marido comprou um livro chamado “A Monster Calls” (traduzido para o português como “Sete minutos depois da meia-noite” e calma que o título tem relação com o livro sim!), que havia recebido inúmeros prêmios pelo texto e ilustração, algo único até o momento. Ele foi escrito por Patrick Ness, ilustrado por Jim Kay (o mesmo que está ilustrando as edições de Harry Potter), mas foi baseado na ideia da autora Siobhan Dowd, que faleceu antes de escrever o livro em consequência de câncer de mama.
Li a nota do autor e o livro já me conquistou. Por achar que é tão absurdamente necessário para você, leitor, ler esse livro, coloquei um pedaço dela aqui. Ignora a tradução, porque eu li em inglês e me meti ao ofício que não é meu nas próximas linhas. Sorry!
“Ela tinha os personagens, a premissa e o início. O que ela não tinha, infelizmente, era tempo. (…) Eu senti, e sinto, como se houvessem me entregue um bastão, como se uma excelente escritora tivesse me entregado sua história e dito ‘Vá, corra, apronte confusões’. Então foi isso que tentei fazer. (…) Agora está na hora de passar esse bastão para você. Histórias não acabam com autores, embora muitos deles tenham começado a corrida. Aqui está o que Siobhan e eu criamos, então corra, apronte confusões”, Patrick Ness, nas notas de autor de “Sete minutos depois da meia-noite”.
Vou tentar ao máximo não contar spoilers nem do filme, nem do livro, pois essa resenha será sobre ambos.
O primeiro fato que é preciso deixar claro é que não é nem um livro, nem um filme de terror. Bem, não no sentido de monstros e assombrações. “Sete minutos depois da meia-noite” trata de como um menino lida, ou tenta lidar, com a doença terminal da mãe. Acho que isso é o pior dos terrores, não?
O segundo fato que é preciso destacar é que tanto o livro quanto o filme lidam com metáforas. Sou apaixonada por narrativas – literárias e cinematográficas – assim e acho que o bom uso da metáfora é quando o leitor/público entende sem que precise ser explicado. Foi a única coisa que senti que o filme pecou um pouco, mas isso eu vou explicar um pouquinho lá na frente.
O terceiro fato que é essencial aqui é: “Sete minutos depois da meia-noite” é um livro infantil. Sim, isso importa e muito.
Vamos começar pelo livro. Li a versão ilustrada e foi uma experiência bem diferente do que estou acostumada. Jim Kay usou preto e branco e uma infinidade de materiais para criar texturas diferentes. Embora prefira imaginar do que ver, as ilustrações são tão lindas e sombrias e reveladoras que adicionam à experiência.
A história é simples, como ocorre geralmente em livros infantis: um menino que está tentando lidar com a doença terminal de sua mãe recebe a visita de um monstro na janela de seu quarto. Ele vem sempre sete minutos depois da meia-noite. Mas assim como também ocorre nos livros infantis, a história tem entrelinhas poderosas e que trazem lições não somente para os pequenos, mas para os adultos também.
O monstro que vem visitar Conor não é o monstro de seu pesadelo recorrente, mas sim um monstro antigo que o contará três histórias. Depois desses três contos, o que ele exige é que Conor conte a ele a quarta história. E ela precisa ser a sua verdade.
Então seguimos o dia a dia de Conor, que consiste em sofrer bullying na escola, ter que lidar com tarefas domésticas para ajudar a mãe, que está muito, muito doente (câncer não é mencionado por nome, mas sabemos que é o que a está consumindo), lidar com o pai – que se mudou para os EUA e tem uma nova esposa e uma nova filha -, lidar com a avó materna que é mandona e não tem tato com crianças. Lidar, lidar, lidar é tudo que Conor, que no filme tem 12 anos, mas que no livro tem 13, faz. Mas ele não está lidando com a dor que é saber que sua mãe, a pessoa que ele mais ama em todo o mundo, está para morrer. Ele não está lidando com o fato de que ter o estigma de uma mãe com câncer o faz ser um pária na escola. Ele não está lidando com o fato de que ele é só uma criança no meio de uma batalha que não se pode ganhar.
Ele não sabe lidar com tudo isso. Até sete minutos depois da meia-noite.
A cada conto narrado pelo monstro, Conor identifica elementos semelhantes aos que estão presentes na sua vida. O menino exige que o Monstro cuide de seus problemas e reclama muito quando não vê justiça nos contos do gigante. Afinal, ele tem só 13 anos e tem muito mais a temer do que um grande Monstro.
A cada conto, o leitor entende o paralelo com a “vida real” de Conor e a metáfora do livro vai se desvendando. Em nenhum momento, Ness nos conta com todas as letras o que já sabemos. Ele nos mostra, nos narra e nos deixa para tirar nossas próprias conclusões. E isso é a beleza de uma história infantil: a ingenuidade de explicar sentimentos sem nos dizer o que sentir, mas nos fazendo senti-los.
No filme, cada um dos três contos é mostrado com muita arte, o que me lembrou como foi feito com o Conto dos Três Irmãos, em Harry Potter. Essa parte também remete bastante às ilustrações de Jim Kay, que também são utilizadas no filme como se tanto mãe, quanto filho fossem artistas. Não é o caso no livro, mas não precisa ser. Foi uma maneira de fazer o vínculo dos personagens com o visual e que funcionou muito bem.
O roteiro de “Sete minutos depois da meia-noite” é do próprio Patrick Ness, o que me deixou muito feliz! Apenas poucas cenas e diálogos são novos no filme e não constam no livro, mas adicionaram à narrativa. Todos com a exceção de um. As últimas linhas do livro são narradas no filme em uma das cenas mais lindas e têm impacto o suficiente para serem as últimas do filme. Mas não são. Uma sequência bonita, porém desnecessária segue essa cena e achei que é aquela tirada básica para tentar explicar a metáfora caso o público não tenha entendido. Esse foi o único momento que achei que o filme pecou. Desnecessário.
As atuações no filme são excelentes, mas isso já era esperado da sempre ótima Felicity Jones como a mãe de Conor, de Sigourney Weaver como a avó, e de Liam Neeson como o Monstro. O jovem Lewis MacDougall como Conor mostrou potencial dramático incrível e mal posso esperar para ver próximos filmes com ele.
“Sete minutos depois da meia-noite” é um livro poderoso sobre amor e perda, assim como é o filme. A ordem – se ler ou ver primeiro – não importa. O que importa é que obras assim precisam ser reconhecidas por sua excelência. Quando a narrativa é pura dessa forma, ela inspira, emociona e faz refletir. E esse, pra mim, é o significado da arte.
Então, assista, leia, corra …. e apronte confusões.
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Amei a resenha! Já quero ler o livro e assistir o filme 🙂 Perguntinha: vale a pena investir no hardcover ilustrado? Beijos!
Vale muito, Tita! Investe sim, porque as ilustrações complementam a história de uma forma belíssima!
Olá. Só uma dúvida.
Assisti o filme e obviamente fiquei louco pelo livro. Dei uma pesquisada na net e comprei um. Porém não era a edição ilustrada e gostaria muito dessa versão. Ja dei uma pesquisada na net e não acho. Podes me informar quala editora e edição da versão ilustrada? Ficarei grato. ❤️
Oi, Breno. Que eu saiba, a edição ilustrada é só importada.
Sabe me informar se os livros de Siobhan Dowd ja foram traduzidos para o Português?
Oi, Lu.
O único que achei – além do “Sete minutos depois da meia-noite” – foi “A carne dos anjos”, que saiu pela Agir, mas está fora de catálogo. Talvez você consiga em sebos ou Estante Virtual, por exemplo. Vale buscar pelo nome da autora nesses sites para ver se mais algum também foi publicado.