Falar da bibliografia de Connie Willis levaria muito mais de um post. Ela é uma das escritoras mais premiadas em qualquer gênero: são nada menos que 11 Prêmios Hugo, 7 Nebula, e 4 Locus. Ou seja, é a Meryl Streep da Ficção Científica. Os temas dela são os mais variados: o mais recente, o divertido Interferências (Suma, trad. Viviane Diniz Lopes), é quase uma comédia romântica. Uma jovem se submete a um procedimento para aumentar a empatia com o noivo, mas acaba desenvolvendo uma forma de telepatia. E acaba descobrindo que informação demais pode ser um problemão.
Mas o corpo central da obra de Connie Willis é a sequência de viagens no tempo: Fire Watch, O Livro do Juízo Final (Suma, trad. Braulio Tavares), To Say Nothing of the Dog, e Blackout / All Clear. As histórias são independentes, mas todas giram em torno de um grupo de historiadores da universidade de Oxford que viajam no tempo para pesquisar o passado. Por mais que tomem precauções para não alterar nada, acabam se envolvendo com as pessoas e situações que encontram.
Fire Watch (1982), foi também o primeiro da série de prêmios: a noveleta ganhou o Hugo e o Nebula. Nele, um dos historiadores volta ao bombardeio de Londres pelos nazistas na Segunda Guerra, especificamente para as tentativas de preservar a catedral de Saint Paul, um dos marcos da capital britânica. Pode ser lido em inglês aqui.
Willis levaria 10 anos pra retomar a série, com o brilhante O Livro do Juízo Final (1992), novamente ganhando o Hugo e o Nebula, além do Locus. Desta vez, a viagem é mais longa: uma historiadora volta ao século XIV para estudar a vida durante a Peste Negra. Enquanto isso, no presente, uma gripe terrível atinge Oxford, paralisando as tentativas de trazê-la de volta. A doença dizimou a Europa, matando pelo menos 25 milhões de pessoas, cerca de um terço da população europeia da época. Willis concentra a atenção numa família que acolhe a historiadora, e constrói uma atmosfera opressiva e trágica, com um sentimento real de perda, à medida em que toda a região vai sucumbindo à doença. E torna relevante e pessoal o pequeno drama de uma meia dúzia de personagens esquecidas pela história, “insignificantes” diante da tragédia planetária. Uma lembrança de que a História é mais do que os grandes acontecimentos, datas e números, tem significado pessoal pra cada indivíduo.
Depois da tragédia, ela seguiu um caminho bem mais leve e satírico no livro seguinte, To Say Nothing of the Dog (1997) (algo como “Pra Não Falar do Cachorro”). Vários viajantes no tempo cruzam o caminho um do outro na Inglaterra Vitoriana, cada um com um objetivo, correndo grande risco de alterar a história. Leve e divertidíssimo, Ganhou mais um Hugo e um Locus, e foi finalista do Nebula.
Blackout / All Clear foi publicado inicialmente em dois volumes em 2010. Mais uma vez, estamos na Segunda Guerra com os historiadores vivenciando a vida na Inglaterra sob a Blitz nazista. Uma queria observar crianças retiradas de Londres durante os bombardeios, outra queria ver de perto como as pessoas se abrigavam nas estações do metrô, e um terceiro acompanha a retirada de Dunquerque. Os três, no entanto, não conseguem encontrar os portais que os levariam de volta ao presente deles (2060). Algo os impede de voltar, e Willis dá a entender que há alguma força que impede que eles mudem a história, e que só permite que voltem depois que corrigirem as alterações que provocaram. Mais do que uma aventura no tempo, é um relato comovente da luta pela sobrevivência sob um bombardeio inimigo impiedoso. Alguns historiadores da vida real implicaram com algumas liberdades que a autora tomou, mas o que importa é essa sensação de vivenciar um momento dramático da história.
E de novo, ela ganhou os três prêmios.
Essa é uma boa época pra viajar com Connie Willis. Afinal, na Oxford que ela imaginou, a máquina do tempo foi inventada em… 2018.