Entrevista exclusivo

Entrevista com Antonio Xerxenesky

Depois de ler “As Perguntas” do brasileiro Antonio Xerxenesky, meu lado repórter voltou a aflorar e tive que fazer … bem, perguntas! O legal é que Antonio topou respondê-las, então está aqui uma entrevista exclusiva com o autor para o Cheiro de Livro.

Antonio Xerxenesky
foto de Renato Parada

(A resenha de “As Perguntas” você encontra aqui)

Cheiro de Livro (CdL)
Na dedicatória do seu livro você mencionou “terror urbano e pessoal” e senti exatamente isso na leitura. O maior medo não era do sobrenatural, mas do tédio, de não fazer nada com a própria vida. E em uma entrevista a um jornal, você mencionou que “As Perguntas” foi escrito sob encomenda e que acabou se tornando o seu livro mais pessoal. Onde e como a encomenda encontrou a inspiração?

Antonio Xerxenesky (AX)
As exigências da encomenda eram que o livro fosse de terror e fosse filmável. Terror, como se sabe, é um gênero bastante abrangente, e com o qual eu tinha muita familiaridade. Filmável, por sua vez, me fez pensar: não posso situar a trama em um outro período histórico, como a Los Angeles dos anos 80 (cenário do meu romance “F”) ou o mítico velho oeste (cenário do meu primeiro romance, “Areia nos Dentes”). Preciso criar uma história aqui e agora, na São Paulo onde vivo dos dias de hoje. E comecei a imaginar uma pessoa normal que se envolve em algum muito maior, uma pessoa… um tanto como eu – que já tive empregos na Av. Paulista, que convivia com toda essa estética corporativa paulistana. Como Alina, me mudei do sul para São Paulo, apaixonei-me pela cidade, mas lutava (e ainda luto) para pagar o aluguel sem perder minha alma no meio de tudo isso. Foi partindo, então, de uma personagem muito parecida comigo que comecei a desenvolver a trama. O livro tem uma virada bastante intimista. Os medos e problemas quotidianos de Alina se expandem, viram medos metafísicos. O eu se espelha no universo. A perda do irmão da personagem é o que a leva, afinal de contas, a todo um questionamento sobre como viver sem fé, sem acreditar em vida após a morte. Isso foi muito inspirado em um sofrimento muito pessoal meu, que acordei com um telefonema informando que uma grande amiga minha tinha morrido atropelada, atravessando uma avenida de São Paulo.

 

CdL – Em “As Perguntas”, Alina questiona os tipos de autor: os que escrevem com base em memória e os que usam a imaginação. O que te levou a colocar esse questionamento aqui e em qual “vertente” você se vê?

AX – Sempre me identifiquei completamente como um escritor de imaginação. Minha literatura surgiu como uma réplica à literatura praticada pelos meus colegas. Quando comecei a escrever “Areia nos dentes”, um faroeste com zumbis, estava de saco cheio de tantos romances umbiguistas cujo protagonista é um escritor indo de bar em bar. Portanto, sempre me vi como um militante da escrita de imaginação. Porém, ao começar a escrever “As perguntas”, entrei nessa crise que descrevi acima… aproximei-me demais de material autobiográfico. E quis demonstrar essa crise dentro do próprio livro, incluindo esse pequeno capítulo sobre escritores de memória vs. escritores de imaginação. Hoje em dia, não sei como me enxergo. A crise persiste. Mas muito do meu preconceito contra uma escrita mais confessional passou. Acho que a minha imaginação talvez não seja mais tão forte quanto era antes. Mas, apesar de tudo, há muito de imaginação em “As perguntas”: nunca cheguei nem perto de um ritual ocultista!!

 

CdL – Terror nem sempre é sobre o oculto ou violência. Qual a sua definição de terror e como enxerga o seu “As Perguntas” nesse gênero (se faz isso)? AX – Acho que há várias linhagens de terror – sobrenatural, cômico, de violência urbana, metafísico… Pegando exemplos bem comerciais e recentes, “Jogos mortais” é totalmente diferente de “Invocação do mal”, mas os dois estão na mesma seção do Netflix. É um gênero aberto que lida com medos. Acho que a definição do Dreyer é a melhor que existe: alguém informa que há um cadáver do outro lado da porta. De repente, tudo muda. Esse ambiente de medo que eu quis capturar. Sei que meu livro não vai agradar os fãs hardcore de terror, pois não tem sustos, não tem uma investigação satisfatória (no fundo, no fundo, é um livro sobre Alina, não sobre a seita misteriosa, que acaba sendo menos importante do que o mergulho na personagem), e também por causa do final (que eu enxergo como redondinho, fechado, encerrando um ciclo de 24 horas, uma jornada de um dia, mas que as pessoas em geral veem como muito aberto, sem respostas – como se houvessem respostas possíveis). Mas, ainda assim, há muitos elementos de terror dos quais me apropriei, em especial o terror sobrenatural, o medo do desconhecido e, no caso do meu livro, o medo de não existir um desconhecido, de não existir nada além da nossa realidade.

 

CdL – O mercado editorial está em constante mudança e recentemente, com plataformas de autopublicação, ele está contando com ainda mais autores. Qual a sua opinião sobre essa movimentação e o impacto que ela tem na literatura nacional?

AX – Eu acho excelente. Acho que todo mundo tem que se expor e publicar. A minha pergunta é: temos uma massa de leitores críticos boa o suficiente para separar o que presta? Pois o maior risco de todos é se perder no ruído branco. Se todo mundo publica, o que torna o seu livro mais digno de leitura que o do outro? É preciso ter leitores formados para nos guiar no meio de tanta publicação. Mas, seja como for, vejo com bons olhos o fenômeno. Eu mesmo comecei autopublicando, pagando a impressão de “Areia nos dentes” do próprio bolso, e o fato de que ele encontrou um público foi o que me levou a uma grande editora. Eu era apenas um moleque maluco escrevendo um faroeste desvairado em Porto Alegre. Não era conhecido, não era filho de ninguém, não tinha sobrenome, não morava no eixo Rio-São Paulo. Foi graças a autopublicação que consegui cavar meu buraco no universo literário.


CdL – Alina é uma protagonista questionadora e angustiada e, como é mencionado algumas vezes no livro, um reflexo de toda uma geração. Sinto que “As Perguntas” foi escrito como uma crítica a nossa geração, mas uma crítica de quem está dentro do olho do furacão. Como o Antonio enxerga a nossa geração? Quais os seus conselhos/dicas para quem não quer ficar agoniado como Alina?

AX – Alina tem muito de mim e tem um pouco do que critico nessa (na minha) geração, que é, talvez, uma tendência a achar que seus dramas são muito mais importantes do que de fato são. Mas a verdade é que não tenho respostas. Nem para mim, nem para ela. Mas acho que Alina é um símbolo do risco de sermos excessivamente materialistas e entrarmos em parafuso quando não conseguimos explicar algo que não tem explicação.
Há, também, umas pequenas críticas que faço especificamente a nossa geração que vive em São Paulo. Aqui em SP há uma obsessão com os “colégios de elite”: quem estudou nos “colégios certos”, foi colega dos filhos de Fulano e Beltrano, tem a vida muito mais fácil, consegue emprego bom nas áreas de humanas… É uma coisa ridícula, resquícios de um elitismo antiquado que ainda perdura na nossa geração.

 

CdL – Qual o seu maior medo?

AX – Concretamente? Vermes e seres rastejantes! Abstratamente? A morte ou o sofrimento de pessoas que são queridas para mim.
CdL – E quais os próximos projetos? AX – No momento, estou sofrendo demais tentando escrever um livro novo que comecei em abril, durante uma residência artística na Suíça. É um projeto ambicioso que gira em torno do surgimento do expressionismo abstrato e de como tudo, no século XX, das artes à ciência, foi tendendo à abstração. É muito inspirado no livro “Driven to abstraction”, da alemã/americana Rosmarie Waldrop (saíram trechos desse livro no Brasil como “Os elétrons (não) são todos iguais”). Talvez o projeto seja ambicioso demais para mim, pois fui reler o que escrevi até então e me senti perdido, infeliz com o resultado. Tenho umas ideias de como recomeçar o projeto, com outro ponto de vista, outro narrador, mas não sei. No fundo, tenho medo de ainda não ter nada de relevante a dizer, e portanto o melhor seria ficar calado. Acho que só vale a pena escrever um livro quando temos algo a dizer, nem que sejam perguntas a fazer. Em “As perguntas” e “F” eu tinha o que dizer, o que perguntar. Agora, ainda não sei o que falar a seguir. Não sou um escritor profissional, não vivo da escrita. Pelo contrário, ganho tão pouco dinheiro com a escrita – em vendas e eventos – que posso dizer que escrever sai caro para mim, considerando o tempo que gasto. Ou seja, não há a pressão de continuar escrevendo só por escrever. Acho que tenho que entrar de cabeça no projeto quando eu encontrar algo realmente relevante. Afinal, graças a tal da auto-publicação que discutimos acima, o que não falta no Brasil é gente publicando livros.

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