A autora de “A princesa salva a si mesma nesse livro” conversou com o Cheiro de Livro
Recebi do pessoal da Leya um exemplar de “A princesa salva a si mesma nesse livro” de Amanda Lovelace. Li e AMEI (resenha aqui) e não consegui parar de pensar no livro. Então escrevi para a autora sobre uma possível entrevista. Ela topou e eu surtei! Confira abaixo o nosso papo (por e-mail, mas que foi como um abraço! Virei fã ainda mais!).
Cheiro de Livro (CdL) – Em “A princesa salva a si mesma nesse livro”, você aborda abuso emocional e sexual além de autoflagelação. Esses temas são muito fortes e têm aparecido cada vez mais – como deveriam! – em livros, seriados e filmes. E a consequência é que pessoas estão debatendo mais sobre isso. Mas é uma coisa escrever para ajudar alguém e outra ter pessoas lendo e sabendo o que aconteceu com você. Você sentiu apreensão sobre a reação das pessoas ao seu livro? Como se sentiu ao escrever sobre isso no livro e como tem sido o retorno dos leitores?
Amanda Lovelace (AL) – Escrever não foi a parte que me deu medo. “A princesa salva a si mesma nesse livro” praticamente flui para fora de mim como uma torneira que não consegui desligar durante um mês, que foi o tempo que levei para escrever a primeira versão (auto-publicada há quase dois anos).
Ter pessoas que conheço e amo ler o livro, foi outra história! Estava aterrorizada de todos saberem o que sempre mative em segredo, inclusive experiências traumáticas que ficaram comigo por toda a minha vida. Nem todas as pessoas na minha vida foram gentis e compreensivas em resposta à honestidade encontrada em “Princesa”. Mas todos os dias eu sou soterrada por e-mails e mensagens de pessoas que foram impactadas por minhas palavras, seja porque se sentiram compreendidas ou iluminadas pelos assuntos. E todo o resto passa a não mais importar.
Quando sinto medo de expor as partes mais escondidas e sombrias de mim, tento lembrar de que estou fazendo isso por todas as pessoas que precisam ouvir isso, incluindo eu mesma. Abordando esses temas literalmente salva vidas e por isso precisamos nos livrar desse estigma e desconforto.
CdL – Existe muito bla bla bla sexista e body shaming desde sempre. Mas mulheres estão começando a lutar contra isso com cada vez mais força e mais voz. Ao ler o seu livro, senti esse poder! Como leitora e mulher, me senti sendo ajudada por vocês e entendi que eu também tenho esse poder para ajudar a mim e a outras. Qual a sua visão sobre o que tem acontecido atualmente nesse sentido?
AL – Obrigada! Amo ouvir isso porque é exatamente o meu propósito com o livro! Sou forte o suficiente para superar, você também é e todos nós somos, independente do nosso gênero. Minha história só acontece de ser narrada pelo ponto de vista de uma garotinha, uma adolescente e uma mulher.
Enquanto escrevia “Princesa”, não pude separar meu lado feminista do resto da minha vida. Para mim, são uma única coisa. Verdade seja dita, perderia metade de mim mesma se me tirassem minhas crenças feministas e a esperança de que, um dia, as coisas vão ficar melhores para nós que vivemos nas margens.
Por meio da mídia e da sociedade, sempre me disseram – de forma sutil ou exagerada – que mulheres são o “sexo frágil”. Mas, ano passado nos ensinou que somos tudo menos frágeis e que algo não é verdade só porque nos contaram assim.
Rejeitar o poder e a força da mulher e de todas as minorias marginalizadas é uma forma de manter a atual estrutura patriarcal. Mesmo que eu não queria escrever algo feminista, minha luta contra essa atmosfera opressora é sempre aparente. Quero que cada palavra que eu escreva seja uma rebelião contra forças que querem nos manter complacentes.
CdL – Seu próximo livro – a ser lançado em breve – se chamará “A bruxa não queima nesse livro” e mal posso esperar para lê-lo! Como é diferente de “Princesa” e quantos mais teremos na série?
AL – Sim! Menos de um mês para o lançamento nos Estados Unidos!
“Princesa” foi a história da minha vida. Sabia que “Bruxa” – que é o segundo na série “Women are some kind of magic” (“Mulheres são uma espécie de magia” – tradução livre) não seria uma continuação direta dele, mas sim um companheiro.
Talvez possa continuar “Princesa” daqui a alguns anos, quando tiver vivido mais, mas no momento é o fim dele.
Existem alguns períodos da minha vida que quero abordar e por isso estou escrevendo “To make monsters out of girls” e “To drink coffee with a ghost” (a duologia “things that h(a)unt”). Eles vão abordar mais sobre relacionamentos e experiências que não tive tempo nem espaço para abordar em “Princesa”.
Mas voltando para “Bruxa”, no final de “Princesa”, deixei o leitor com notas inspiradoras assim como minha opinião sobre algumas questões feministas. Tentei mantes esse tema em “Bruxa”. Tem uma história abrangente no livro todo, como em “Princesa”, claro, mas desta vez é uma história fictícia sobre mulheres – ou bruxas – que tomam seu poder de volta depois de séculos de abusos nas mãos do patriarcado – ou dos “match-boys”. Entre tudo isso, contos de trauma, esperança e empoderamento.
O terceiro e último livro da série “women are some kind of magic” será algo como “A voz da sereia retorna nesse livro” (t”he mermaid’s voice returns in this one”) e sem querer dar spoiler, até porque ainda o estou escrevendo, é sobre o que você acha que é: encontrar a sua voz em um mundo que não quer ouvi-la.
CdL – Você também mencionou que gostaria de escrever um YA (young adult). Alguma novidade que possa dividir conosco? E por que YA?
AL – Eu realmente tenho planos para escrever um YA, mas ainda não posso falar sobre o assunto no momento. *lábios selados *
Ficção jovem adulto (YA) para sempre terá um lugar no meu coração. Eu não sei quem eu seria hoje sem os livros que li quando criança e adolescente. Mas tem tantas histórias que eu gostaria que existissem quando eu era jovem, particularmente histórias com personagens com atributos como eu: tipo, minha sexualidade e minha doença mental. Como eu não posso voltar no tempo e escrever eu mesma essas histórias que eu precisava tanto, posso tentar escrever histórias hoje que possam fazer jovens se sentirem compreendidos e representados.
CdL – Você foi auto-publicada antes de uma editora encontrar e publicar o seu trabalho . Por favor, mande uma mensagem para as centenas de autores auto-publicados – principalmente no Brasil – que também estão nessa jornada. Quais são as suas dicas?
AL – Só algumas dicas (porque são muitas):
Pesquise. Pesquise mais. O Google e fóruns são seus novos melhores amigos. Tenha certeza de que auto=publicação é algo que você quer fazer, porque você vai ter muito trabalho e nem sempre vai ser fácil! Muitas vezes, você terá perguntas que não terão respostas simples e terá que seguir com base no seu instinto.
Não desista do seu livro se ele não for um sucesso instantâneo. A maioria dos livros não é. No mundo editorial, sucesso é uma mescla de trabalho, sorte e mais trabalho (que você terá que fazer).
Por mais cansativo que mídia social seja, é essencial para o marketing do seu livro, independente dele ter sido auto-publicado ou publicado por editora. Fique ligado nisso o máximo possível porque é importante na busca do seu público-alvo.
Não ache que ser auto-publicado significa nunca mais ser publicado por uma editora. Sou prova de que isso não é verdade. Sou publicada no sentido tradicional agora porque eu tomei coragem e investi no meu trabalho e auto-publiquei. A má reputação da auto-publicação está acabando, com tantas ferramentas, leitores digitais e um oceano de leitores famintos por mais histórias.
Para os meus leitores brasileiros, muito obrigada por comprarem o meu livro e por compartilharem o amor! Vocês são a razão de tantos autores poderem viver de seus sonhos, incluindo eu mesma. Espero conhecer alguns de vocês e agradecê-los pessoalmente algum dia. Afinal, tudo é possível!
Alguém sentiu cheirinho de um possível convite para Bienal? Hein, hein?