30 de Outubro de 1938, véspera de Halloween, 8 horas da noite. A Rádio CBS em Nova York transmite um programa musical. De repente, a transmissão é interrompida por boletins de notícias: a Terra estava sendo invadida por naves vindas de Marte! Um repórter narra a destruição e morte na pequena Grover’s Mill, Nova Jersey. Pânico! Milhares de ouvintes saem às ruas em fuga desesperada! O que não sabiam é que era apenas uma adaptação radiofônica de A Guerra dos Mundos (1898), de H. G. Wells, dirigida pelo jovem Orson Welles.
Só que não foi bem assim. O pânico supostamente causado pela transmissão na verdade foi um mito bem aproveitado por Welles – uma história dentro da história.
Welles, com 23 anos na época, dirigia uma companhia teatral e vinha adaptando obras literárias num programa para a CBS. Era um programa modesto, sem patrocínio. O Mercury Radio Theatre Tinha como colaboradores o ator John Houseman e o escritor Howard Koch, que mais tarde ganharia o Oscar pelo roteiro de Casablanca. Foi de Koch a ideia de adaptar o romance como uma série de boletins. Welles na verdade estava mais envolvido com uma peça, cujos ensaios não iam nada bem. E a produção do programa também não. Os relatos são de que os ensaios foram péssimos. Welles chegou na última hora, e fez algumas mudanças para aumentar o realismo e dar mais ritmo. Por exemplo, eliminou algumas frases que falavam de passagens de tempo, como “…alguns dias depois…” para aumentar o imediatismo.
O programa na verdade começava com uma introdução que explicava se tratar de uma adaptação. Só que naquela noite de domingo, a maioria do público sintonizava outra estação: a NBC, que tinha o programa de variedades de maior audiência. O número de abertura, com o comediante e ventríloquo Edgar Bergen, muito popular na época, foi até umas 20:12. Só quando foi para intervalo é que alguns ouvintes mudaram de estação e pegaram a invasão marciana já em andamento, bem na hora em que o repórter fazia uma entrada ao vivo entrevistando “testemunhas” da aterrissagem. E pra piorar, o programa de Welles só foi fazer o primeiro intervalo (novamente dizendo que era uma adaptação do livro) às 20:40. A essa altura o estrago estava feito.
Mas não chegou a haver pânico ou fuga em massa. Essa parte foi aumentada pelos jornais do dia seguinte. Alguns pesquisadores culpam os jornais impressos. Durante a Depressão, o rádio havia tirado grande parte dos anunciantes da mídia impressa (soa familiar?). Os jornais teriam aproveitado a ocasião para tentar caracterizar o rádio como uma fonte sensacionalista e pouco confiável – FAKE NEWS!
Outros lembram que o mundo vivia a expectativa de uma nova guerra – e alguns ouvintes chegaram a dizer que acharam que eram os alemães, e não os marcianos, que estavam invadindo.
Os números não são muito confiáveis. Uma pesquisa de audiência teria estimado o público da transmissão em menos de 2%. A polícia registrou sim um aumento de telefonemas, muitos perguntando onde poderiam doar sangue. Mas uma grande parte estava mesmo era reclamando do susto. Alguns ouvintes contaram que mudaram de estação pra tentar saber mais, e ao sintonizar um programa religioso ficaram mais assustados ainda, achando que era realmente o fim dos tempos. Na verdadeira cidade de Grover’s Mill, alguns moradores teriam saído armados atirando numa torre d’água, achando que era uma das máquinas de guerra marcianas. Policiais chegaram a ir até o estúdio pra saber o que estava acontecendo, apreenderam o roteiro, mas não levaram ninguém pra delegacia.
Uma ouvinte processou a CBS em 50 mil dólares por estresse, mas o caso foi arquivado. Outro reclamou que gastou o dinheiro que ia usar pra comprar um par de sapatos numa passagem de ônibus pra fugir da área. Orson Welles comprou os sapatos – 3,95 dólares – para o ouvinte, feliz da vida…
A CBS recebeu pouco mais de 600 cartas, 40% delas elogiando a transmissão. A agência reguladora de telecomunicações investigou, mas não viu motivo pra punir a rádio.
Numa coletiva, Welles pediu desculpas, disse que não fazia ideia da repercussão que teria, mas a fala dele não parece muito sincera… Na verdade ele aproveitou para também aumentar a dimensão do episódio. Logo depois, conseguiu um patrocínio de sopa e o programa passou a se chamar Campbell Playhouse. Mais algum tempo, e mudou a companhia para Hollywood, onde assinou com a RKO para fazer seu primeiro filme – um tal de Cidadão Kane.
O autor inicialmente reclamou. Quando autorizou a transmissão, achou que iam simplesmente ler o livro… Não tinha ideia de como ia ser adaptado. Mas depois, com o aumento das vendas, passou a aprovar.
Um estudioso da Universidade de Princeton ajudou a propagar o mito com um estudo sobre o caso, publicado em 1940. Mas pesquisadores modernos questionam tanto os números que ele citava (uns 4 milhões de ouvintes), quanto os relatos, muitos copiados dos jornais que haviam “esquentado” o caso.
Como dizia um personagem em outro filme sobre Fake News (O Homem que Matou o Facínora, de John Ford), quando a lenda vira fato, publique a lenda!
Ouça aqui o programa original na íntegra.