POUSANDO NO PLANETA FC
Este ano, depois de vários “quase”, finalmente consegui participar de uma Convenção Mundial de Ficção Científica, a Worldcon, de 1 a 5 de setembro. Chicago é a cidade que mais hospedou a convenção, oito vezes, daí o nome de Chicon8. Neste e nos próximos artigos, faço a minha crônica dessa experiência.
A primeira convenção que reuniu fãs, escritores e editores de FC foi realizada em 1939, em Nova York. Juntou 200 pessoas, e conseguiu ter polêmica, com a expulsão de um grupo de fãs/escritores de esquerda acusados de fazer panfletagem comunista, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Nos tempos pré-pandemia, chegou a reunir mais de 8 mil pessoas presencialmente. Em Chicago, éramos quase 3.600, com mais uns mil acompanhando virtualmente. E com os apoiadores, um total de 6.500. Pode parecer pouco perto dos 130 mil que a San Diego Comic Con já chegou a reunir, mas a Worldcon é muito diferente. A SDCC hoje em dia se tornou um evento para Hollywood lançar filmes e séries. A Worldcon é raiz: as estrelas são os escritores. E quase todos já foram fãs um dia, e sentam e conversam com você de igual para igual.
A experiência é um grande sentimento de comunidade, de família. De repente, você se vê conversando com alguém que nunca viu na vida, como se fossem grandes amigos. Se eu temia me sentir isolado por não conhecer ninguém, logo fiquei à vontade. Dois dias antes, me ofereci de voluntário para ajudar na montagem. Fiquei no salão da mostra de arte, ajudando a botar de pé os stands. Nada como uma equipe de nerds pra resolver problemas: uma tesoura, sobras de cartolina, e alguém inventa um suporte ajustável pras lâmpadas de LED que deveriam iluminar os quadros. Até eu arrumei um jeito de aproveitar melhor as estruturas quando começamos a ver que iam faltar divisórias pro stand de vendas. Tudo acompanhado de muito papo, citações de filmes e livros (um voluntário abrindo uma caixa: “fecha os olhos todo mundo, que é a Arca da Aliança!). E um grande “oooooooh!” espontâneo e coletivo quando abrimos uma caixa com um tesouro verdadeiro: telas e desenhos do grande Frank Kelly Freas, que tinha uma seção comemorativa do seu centenário.
Ainda antes da convenção começar, teve passeio guiado de barco pelo rio que corta o centro de Chicago, e um “pub crawl” liderado por um inglês, passando por quatro bares com as melhores cervejas artesanais da região. No fim da noite já tinha um irlandês tentando me convencer a montar uma convenção no Brasil.
O centro de convenções do Hyatt Regency é gigantesco, no subsolo das duas torres do hotel. Foram raras as sessões com gente de pé – só me lembro de duas, e uma delas com dois gigantes da FC, Joe Haldeman e Connie Willis (juntos, 18 Prêmios Hugo!). Logo de cara chama a atenção o cuidado que os organizadores tiveram com acessibilidade e inclusão. Todas as salas com lugares reservados para pessoas com dificuldade de locomoção, e muita gente se deslocando de cadeiras motorizadas e scooters. E todos se ajudam, sem estresse, sem precisar pedir pra alguém levantar e ceder o lugar. É realmente uma comunidade unida. Salas designadas como espaços seguros LGBTQIA+, pessoas com deficiência, neurodivergentes, e até serviços religiosos para cristãos, judeus e muçulmanos. Todos – repito, todos – de máscara. Ora, todo mundo ali já leu pelo menos uma dúzia de histórias sobre pandemias. A gente sabe o que acontece, já viu o fim do mundo um monte de vezes. Não precisa ninguém ficar dando ordem. É claro, teve um monte de festas também. No fim, 60 casos de Covid em 3.600 pessoas, ao longo de quase uma semana. (Com a ressalva de que o hotel ainda tinha umas centenas de hóspedes de fora da convenção, que não usavam máscaras.)
Enfim, um ambiente perfeito pra mergulhar por cinco dias no universo da Ficção Científica e da Fantasia.
No próximo capítulo: A Jornada Começa