ensaio de uma dança não dançada;
fragmentos sujos;
jamais fomos nem seríamos humanos – pré-introdu_accion
1
há algum tempo sem escrever. 2018 foi me roubando, como um parasita. primeiro o corpo, depois o chão e em seguida as palavras. cabelo, unhas e dentes, oh my!
2
Estou há algum tempo sem escrever, sem conseguir organizar as palavras, as ideias, as imagens – e o pior: não é como estar diante de uma tela em branco, uma página em branco, uma folha vazia; é como estar diante de todas as imagens, todas as palavras aglomeradas e soterradas, empilhadas, acumuladas umas sobre as outras.
E eu sei sobre acúmulo, restos, lixo e coisas que não jogamos fora: elas retornam, recalcadas e vingativas.
estar diante de tudo e não conseguir.
Como naqueles filmes ou HQs que eu lia quando adolescente: uma criança é guiada por velha anciã até o núcleo do cristal das possibilidades. Ali ela pode vislumbrar tudo, como uma espécie de Aleph: tudo o que foi e o que não foi, o que é e o que deveria ter sido, o dito e o não dito, o visível e o não visível.
Tudo menos a pessoa que está vendo: todos os pontos luminosos, todos os vagalumes, menos o espectador.
O Aleph, o núcleo do cristal ou um corredor de espelhos em um parque de diversões nos exclui ao mesmo tempo que apresenta o que poderia ter sido.
Essa exclusão reabre uma ferida: estamos aqui e isso, esse presente, é o único possível.
2.5
Através da imaginação, seja lá o sentido que isso tenha nesse agora terrível, restaurar a realidade. Mas não um restauro, um reparo, que a deixe como era antes (exercitando também a impossibilidade dessa estratégia de voltar no tempo), mas um restauro nos moldes de Doña Cecilia Giménez…
3
Não é o caos, por mais abstrato e grego que seja. Não é uma escada. E também não é o onírico psicossomático do Surrealismo.
É um excesso de tanta coisa: essas eleições, 2018.
2018
2018
2018
Encontrar uma purpurina no bife. Olhar para aquele pedaço de carne no qual um micro plástico brilhoso cintila e comê-lo.
Mastigar meio assim, sem gosto e sem pena, engolir e cortar um novo pedaço. A arritmia da alimentação nesses tempos.
Chove e faz calor – um calor abafado, úmido – suamos constante e compulsivamente.
Até pra transar dói ou cansa, sei lá.
É estar diante do que Eliane Brum escreveu: perdemos as metáforas. Mas quem já teve o direito às metáforas, quem pode se locomover de um lugar ao outro, quem pôde?
4
Estou há muito tempo sem escrever.
Esse ano foi um lento sufocar, escrevi antes sobre isso – quando ainda escrevia – e agora chegamos ao final.
Ainda não.
Atravessamos o final, atravessamos os portais, os portões de um outro inferno e, ao invés da placa de aviso Enter at your Own Risk, que Brad e Janet ignoram e seguem para dentro do castelo queer-assombrado de Rocky Horror Picture Show (Jim Sharman), em 1975, as faixas e bandeiras que tripudiavam, no Brasil de 2018, eram sedutoras e prometiam restauros, recuperações, valores, morais, bons costumes e família.
Se um aviso pode ser ignorado…
Em uma inversão dialética, se Brad e Janet têm sua monótona vida de casal heterossexual normativo transformada e expandida, alguns sujeitos já percebem as dramáticas falhas no paraíso.
Não era nem uma questão de maquiagem, de cenário e de oferta de leite e mel. Não havia aviso nos portões do Éden – mas era uma prisão. Buñuel já realizou esse exercício em 1930…
E agora, queridos, estamos aqui.
Promessa de pasto,
entrega de matadouro.
Mas alguns de nós já estávamos tão mortos que estamos vivos.
Jamais fomos humanos.
Alguns de nós.