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O Drácula Vitoriano

Charles Dickens (1812 – 1870) é reconhecidamente o maior cronista da Era Vitoriana. Mas mesmo meio sem querer, Bram Stoker refletiu as ansiedades do fim do Século XIX em Drácula

Bram Stoker, autor de Drácula

O Império Britânico estava na vanguarda do desenvolvimento industrial e científico. Se uma cidade podia ser considerada a “capital do mundo”, era Londres. E mesmo no auge do Império, havia o medo de uma colonização reversa. Em “Guerra dos Mundos” (publicada em série em Abril de 1897, um mês antes de Drácula), H. G. Wells usou a invasão marciana para confrontar os britânicos com os efeitos devastadores de um poder infinitamente superior, como faziam os britânicos com os povos colonizados na África e na Ásia. Wells também se preocupava com ameças do exterior. Um sub-gênero popular na época imaginava a Inglaterra invadida pela Alemanha. O Conde Drácula, ao desembarcar na costa britânica e atacar o coração do Império também refletia o medo de uma invasão do Leste Europeu.

 Drácula vem do Velho Mundo e é combatido não só com as velhas armas da superstição, mas também com ferramentas da modernidade, como máquinas de escrever, fonógrafos, transfusões de sangue. Tem até uma referência às primeiras câmeras fotográficas introduzidas em 1888 pela Kodak. Nas suas notas, Stoker observa que o vampiro, além de não aparecer no espelho, não podia ser fotografado. Essas marcas da modernidade chamaram até a atenção nas resenhas sobre o romance nos jornais da época.

Van Helsing é o personagem que traz o folclore e a superstição sobre vampiros, mas também é um especialista na “evolução do cérebro”. As defesas tradicionais (alho, crucifixos, etc) acabam sendo meras inconveniências. O que derrota o vampiro é o pensamento científico.

Stoker não estava livre de preconceitos. Trabalhadores e pessoas pobres são retratadas como semi-analfabetas e alcoólatras. E há um personagem judeu retratado pejorativamente, reflexo do antissemitismo comum na sociedade britânica da época.

A religião tem um papel central em Drácula, e o romance pode ser interpretado como um choque entre o Cristianismo e o Darwinismo. A publicação de “A Origem das Espécies” por Charles Darwin em 1859 tinha abalado a comunidade científica e a própria sociedade Vitoriana. Estudiosos como Charles Blinderman consideram que no livro há uma disputa entre um cristianismo progressista e um predador no alto da cadeia alimentar Darwinista. 

Oscar Wilde

As conotações sexuais de Drácula já foram exploradas exaustivamente. Mas dois aspectos podem ter representado preocupações especiais para Stoker. Na biografia “Something in the Bood”, David J. Skal dá a entender que Stoker sofria um conflito com a própria sexualidade. Ainda em Dublin, havia defendido fortemente os poemas do americano Walt Whitman, que abordavam a atração entre homens. Em Londres, acompanhou com atenção o julgamento de Oscar Wilde, condenado por indecência numa época em que manter relações com pessoas do mesmo sexo era crime. Os dois irlandeses se conheciam , e Wilde tinha até cortejado a mulher de Stoker, Florence. A preocupação homoerótica fica evidente na parte inicial do livro, quando Jonathan Harker demonstra atração pelas vampiras, mas se apavora com a possibilidade de ser atacado por Drácula. Coincidentemente, Oscar Wilde saiu da prisão no mesmo dia da leitura de Drácula para registro de direitos autorais.

A outra grande preocupação sexual da época era com a sífilis, que atingia um em cada dez homens vitorianos. Alguns autores, como Skal, afirmam que Stoker morreu em consequência da doença. Mas outros, como a especialista Elizabeth Miller, descartam a hipótese como mera especulação. O fato é que muitas vítimas terminavam seus dias em hospícios como o dirigido pelo Dr. Seward no livro.

Stoker saindo do teatro em que era gerente, atrás do ator Henry Irving

Stoker parecia desdenhar da ideia da “Nova Mulher”, e coloca essa opinião nas palavras de Mina, logo sua principal personagem feminina. Contemporâneos de Stoker como George Bernard Shaw e H. G. Wells defendiam um papel mais forte das mulheres na sociedade. Na obra de Stoker, as mulheres são vítimas. Mas mesmo com todo o protagonismo masculino, é Mina que consegue juntar todos os fios da trama que permitem traçar um plano contra Drácula. Sem ela, as tentativas dos homens são patéticas. Mina mantém a cabeça fria enquanto os homens estão a todo momento tendo chiliques e sendo dominados pela emoção.

A Rainha em 1897, ano da publicação de Drácula

A Rainha Vitória morreu em Janeiro de 1901, menos de quatro anos depois da publicação de Drácula, colocando um ponto final na época marcada com o nome dela. Um reinado que começou antes mesmo de Stoker nascer. O autor não chegou a ter o recomnhecimento em vida (morreu em 1912). Isso só veio depois com a adaptação para a forma artística do novo século, o cinema. Mas Drácula continua vivo como o retrato de uma sociedade em transformação.

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