O livro de Itamar Vieira Junior é uma daquelas obras que, além de todos os prêmios, tem uma crescente hype. Nas redes sociais se multiplicam as fotos, elogios posts de famosos e anonimos sobre o livro. Toda essa exaltação a “Torto Arado” gerou alguns haters, é claro. O livro entrou no meu radar em 2020, mas tempo mesmo só agora. Bibiana e Belonísia me pegaram de supetão e me encantaram desde que abriram aquela mala.
Itamar é geógrafo e essa formação transborda no livro, o homem e sua relação com a terra podia ser uma definição bem genérica de “Torto Arado”, afinal. Aqui são as mulheres negras, as irmãs Bibiana e Belonísia, e sua relação com um pedaço de chão especifico, Água Negra, uma fazenda na Chapada Diamantina. É nesse contexto que Itamar vai falar sobre condições análogas a escravidão, algo que certamente ele presencia em seu trabalho no Incra, sobre a luta dos quilombolas, o jarê, religião de matriz africana praticada na região, e, principalmente, falar sobre um Brasil profundo que não costuma estar no foco do Brasil urbano que se delicia com as páginas de “Torto Arado”.
O livro é dividido em três partes. As duas primeiras narradas, cada uma delas, por uma das irmãs, e a terceira por uma entidade do jarê. Essa diferença de narradoras dá um ritmo diferente a cada terço do livro e vai enredando o leitor. Logo nas primeira páginas as irmãs traçam seus destinos a faca. Um acidente faz com que uma dela perca a capacidade de falar, Itamar mantém o suspense de qual das irmãs não fala por um terço do livro, e o silêncio e a palavra definem, de certa forma, os caminhos traçados pelas duas.
A escravidão e como ele não foi totalmente abolida no Brasil de hoje, um país que ainda tem trabalhadores rurais, na sua maioria negros, que trabalham pela favor de poder construir uma casa de barro e trabalhar, sem salário, para os donos da terra, ou seja, uma condição análoga a escravidão. É aqui também que Itamar vai mostrando a relação profunda com a terra, com aquele pedaço de terra, com as tradições, como o jarê, que são passadas oralmente, tradições que constituem o que são as pessoas daquela região e como tudo isso merece e deve ser preservado. A relação de poder e violência entre os que cultivam a terra e os que são donos delas e o que acontece quando direitos são adquiridos e reivindicados.
“Torto Arado” merece toda a hype que tem recebido. É uma ótima leitura, envolvente mesmo, e ainda tem o bônus de nos levar para um Brasil mais profundo, para longe desse Brasil urbano que esquece que existe um país mais profundo que vive de outra forma, que foi esquecido, onde o que vemos como básico não existe ou é sonho distante. Se, entre os grandes benefícios da leitura, é conseguir passar algumas horas vendo o mundo e vivendo como outro, aprimorando nossa empatia, esse livro é mais do que necessário.
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