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A ciência levou quase dois mil anos pra alcançar os devaneios de escritores e sonhadores até finalmente colocar alguém na Lua. As primeiras histórias usavam meios um tanto estapafúrdios pra chegar lá. Pés de vento, cisnes selvagens, carruagens cobertas de penas, balões – os primeiros viajantes usaram de tudo. Na verdade o interesse desses primeiros escritores estava mais na sátira – as sociedades lunáticas ou selenitas geralmente eram reflexos, comentários sobre a nossa sociedade aqui na Terra.
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Foi assim desde a primeira viagem, contada pelo satirista sírio do século II, Luciano de Samóstata, em seu História Verdadeira. E essa tendência continuou durante os séculos seguintes. Cyrano de Bergerac foi o primeiro a ir de foguete, com fogos de artifício amarrados a uma geringonça. Cyrano também teve que explicar aos lunáticos várias coisas para eles incompreensíveis sobre a sociedade humana. O autor de Robinson Crusoé, Daniel Defoe, mandou outro viajante pro nosso satélite, de onde ele examina a sociedade terráquea usando lentes especiais desenvolvidas pelos lunáticos.
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As fake news sobre a exploração lunar também ocuparam os papéis dos jornais. Em 1835, o The Sun novaiorquino publicou reportagens sobre a descoberta de seres vivos na Lua. No mesmo ano, Edgar Allan Poe publicou como se fosse reportagem seu Hans Pfaall – uma Aventura sem Paralelo, uma viagem de balão.
Essa predominância da Lua como cenário de sátira social começa a mudar com os avanços científicos e tecnológicos do século XIX.
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Em 1865, Júlio Verne começou a levar a coisa mais a sério em Da Terra à Lua. Dispara seus astronautas de um canhão. E sem querer levou à criação do termo “nave espacial” que é como o jornal britânico The Pall Mall Gazzette chamou a cápsula em sua resenha do livro. H. G. Wells cobriu a sua nave com Cavorita, um elemento antigravitacional descoberto pelos cientistas de Os Primeiros Homens na Lua, em 1901. Quando Georges Meliès fez seu filme pioneiro Uma Viagem à Lua (1902), pegou emprestadas ideias dos dois.
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As primeiras pesquisas com foguetes inspiraram a alemã Thea Von Harbou, e o marido, Fritz Lang, que adaptou o livro dela para o cinema em A Mulher na Lua, de 1929. O filme, por sua vez, também inspirou um certo engenheiro chamado Wernher Von Braun…
Depois da Segunda Guerra, três adolescentes embarcaram num foguete em Rocket Ship Galileo, de Robert A. Heinlein, e encontraram nazistas na Lua! O romance juvenil serviu muuuuito levemente como inspiração pra Destino à Lua, filme de 1950 que detonou uma onda de filmes de ficção científica.
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A Corrida Espacial estava começando, e enquanto na Terra Estados Unidos e União Soviética corriam para chegar primeiro à Lua, Arthur Clarke e Heinlein travavam um duelo à parte. Assim como Destino à Lua, o romance Prelude to Space (1951) de Clarke descrevia em detalhes uma primeira missão à Lua. Em Requiem (1940) e O Homem que Vendeu a Lua (1950), Heinlein explora o lado financeiro da viagem: o personagem principal é um milionário que faz de tudo para conseguir financiamento privado para a façanha (bem ao estilo de Heinlein, quer evitar que qualquer governo tome posse da Lua), e acaba impedido de viajar: ele é valioso demais para que a corporação que ele mesmo criou permita a viagem… Depois, no fim da vida, tenta de novo, mesmo sabendo que a viagem deve ser fatal. Em A Fall of Moondust (1961), Clarke imagina em detalhes os riscos, descrevendo a operação de resgate de uma nave que se acidenta.
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Os dois também exploraram os conflitos que surgem quando colônias na Lua resolvem declarar independência da Terra, em Luz da Terra (Clarke, 1951) e The Moon is a Harsh Mistress (Heinlein, 1966) – este último se tornou a referência em termos de narrativa sobre colônias lunares. A palavra final foi de Clarke: ele já havia plantado seu monolito na Lua no conto A Sentinela (1951), que ele e Stanley Kubrick transformaram em 2001: Uma Odisseia no Espaço. O filme estreou praticamente um ano antes do pouso da Apollo XI.
Depois do pouso da vida real, o interesse se mudou pra outros planetas: Marte, as luas de Júpiter e Saturno, outros sistemas solares…
Mas nos últimos anos, volta e meia se fala de voltar à Lua. Todos os últimos presidentes americanos anunciaram projetos que nunca saíram do papel, e a corrida espacial agora parece estar nas mãos de excêntricos milionários Heinleinianos. Essa nova corrida por sua vez está inspirando novas tentatvas de reimaginar a colonização da Lua: tem Artemis, de Andy Weir, autor de Perdido em Marte, já resenhado aqui. E o britânico Ian McDonald começou em 2015 a trilogia Luna (New Moon / Wolf Moon / Moon Rising), que também tem Heinlein como inspiração. Aqui, numa espécie de Poderoso Chefão no Espaço, o poder na Lua é dividido entre cinco famílias: uma australiana, uma ganesa, uma chinesa, uma russa e uma… brasileira! McDonald se complica um pouquinho com o português, mas a trama cheia de traições e suspense é sensacional, e fez tanto sucesso lá fora que já tem um quarto volume (uma história independente) a caminho.
Agora falta a vida real alcançar a imaginação mais uma vez.