Ano passado, realizei um antigo sonho de participar de uma Worldcon, a Convenção Mundial de Ficção Científica (veja a cobertura aqui). Pretendia ir também este ano, mas a mudança nas datas me impediu de conciliar as férias no trabalho para a viagem à China. Espero poder ir ano que vem a Glasgow.
A convenção deste ano em Chengdu está cercada de polêmicas, mas por isso mesmo acho importante que haja uma presença grande de fãs do Ocidente. A Ficção Científica tem se internacionalizado muito nos últimos anos, saindo do eixo Estados Unidos-Reino Unido. O gênero tem uma grande produção e milhões de fãs na China, e esse encontro certamente será histórico. Mas a escolha do país sede tem vários problemas.
O governo chinês está investindo pesado no gênero, e escolheu Chengdu como centro de produção de Ficção Científica, seja em literatura ou no cinema, em busca de uma imagem de modernidade e progresso. Resolveu até construir um grande museu dedicado à Ficção Científica (um dos motivos pro adiamento da convenção de Agosto para Outubro). Mas junto com isso, vem a mão pesada do governo.
Há um movimento de boicote por parte de fãs de vários países, em protesto contra a opressão da minoria muçulmana Uighur na província de Xinjiang. Um dos convidados de Honra, Liu Cixin (primeiro chinês a ganhar o prêmio Hugo), disse em entrevista à revista New Yorker que apóia as ações de Beijing para conter o que chama de terrorismo na província. E o outro convidado especial é o russo Sergei Lukyanenko – apoiador de Vladimir Putin e da invasão da Ucrânia, que considera parte da Rússia. Pelo menos uma escritora, S. B. Divya, recusou a indicação ao Hugo, e outros anunciaram que não comparecerão. Afinal, quem quer receber um prêmio das mãos de Lukyanenko? Mas até acho que ir lá, subir ao palco e dizer isso na cara dele seria um protesto bem mais forte. Ou os fãs, por exemplo, se levantando e saindo da sala quando ele fosse chamado a discursar. O caso de Liu Cixin é um pouco mais complexo, mereceria uma análise à parte.
Não acredito que um boicote funcionasse contra um gigante como a China. Só ia dar a chance do governo chinês de acusar os fãs ocidentais de preconceito e sinofobia – argumento usado frequentemente pelo Presidente Xi Jinping em disputas com os Estados Unidos. Eu costumo defender o diálogo e o engajamento, e acho uma pena desperdiçar uma oportunidade de contato com um grande contingente de fãs chineses.
Mas o meu maior motivo de querer estar presente é a liberdade de expressão, ou a falta dela. Na apresentação do comitê organizador dois anos atrás em Washington, antes da votação para a escolha da sede, o representante chinês foi perguntado sobre isso. Ele prometeu que não haverá censura, que qualquer assunto poderá ser abordado nos painéis. Mas fez uma ressalva: caberá à imprensa decidir o que vai ser publicado ou não – como se houvesse independência editorial na China… Por isso acho tão importante ter gente lá que possa fazer um relato independente do que transcorreu durante a convenção. Se houve censura ou não, se foi possível discutir livremente com os fãs e autores chineses.
Em breve saberemos.
Pois é. Eles estão esperando tantos fãs chineses, que pra alguns eventos, como a abertura e a premiação do Hugo, vão ter que fazer um sorteio de ingressos. Pra ficar de olho nos números: a convenção de maior público foi em Los Angeles, 1984 (8.300 pessoas). Ano passado, em Chicago, ainda com o problema da pandemia, foram 3.600.