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Chengdu Worldcon 2023 – Uma Prévia

Ano passado, realizei um antigo sonho de participar de uma Worldcon, a Convenção Mundial de Ficção Científica (veja a cobertura aqui). Pretendia ir também este ano, mas a mudança nas datas me impediu de conciliar as férias no trabalho para a viagem à China. Espero poder ir ano que vem a Glasgow.

A convenção deste ano em Chengdu está cercada de polêmicas, mas por isso mesmo acho importante que haja uma presença grande de fãs do Ocidente. A Ficção Científica tem se internacionalizado muito nos últimos anos, saindo do eixo Estados Unidos-Reino Unido. O gênero tem uma grande produção e milhões de fãs na China, e esse encontro certamente será histórico. Mas a escolha do país sede tem vários problemas.

Projeto do Museu de Ficção Científica de Chengdu

O governo chinês está investindo pesado no gênero, e escolheu Chengdu como centro de produção de Ficção Científica, seja em literatura ou no cinema, em busca de uma imagem de modernidade e progresso. Resolveu até construir um grande museu dedicado à Ficção Científica (um dos motivos pro adiamento da convenção de Agosto para Outubro). Mas junto com isso, vem a mão pesada do governo. 

Há um movimento de boicote por parte de fãs de vários países, em protesto contra a opressão da minoria muçulmana Uighur na província de Xinjiang. Um dos convidados de Honra, Liu Cixin (primeiro chinês a ganhar o prêmio Hugo), disse em entrevista à revista New Yorker que apóia as ações de Beijing para conter o que chama de terrorismo na província. E o outro convidado especial é o russo Sergei Lukyanenko – apoiador de Vladimir Putin e da invasão da Ucrânia, que considera parte da Rússia. Pelo menos uma escritora, S. B. Divya, recusou a indicação ao Hugo, e outros anunciaram que não comparecerão. Afinal, quem quer receber um prêmio das mãos de Lukyanenko? Mas até acho que ir lá, subir ao palco e dizer isso na cara dele seria um protesto bem mais forte. Ou os fãs, por exemplo, se levantando e saindo da sala quando ele fosse chamado a discursar. O caso de Liu Cixin é um pouco mais complexo, mereceria uma análise à parte.

Liu Cixin, autor de O Problema dos Três Corpos

Não acredito que um boicote funcionasse contra um gigante como a China. Só ia dar a chance do governo chinês de acusar os fãs ocidentais de preconceito e sinofobia – argumento usado frequentemente pelo Presidente Xi Jinping em disputas com os Estados Unidos. Eu costumo defender o diálogo e o engajamento, e acho uma pena desperdiçar uma oportunidade de contato com um grande contingente de fãs chineses.

Mas o meu maior motivo de querer estar presente  é a liberdade de expressão, ou a falta dela. Na apresentação do comitê organizador dois anos atrás em Washington, antes da votação para a escolha da sede, o representante chinês foi perguntado sobre isso. Ele prometeu que não haverá censura, que qualquer assunto poderá ser abordado nos painéis. Mas fez uma ressalva: caberá à imprensa decidir o que vai ser publicado ou não – como se houvesse independência editorial na China… Por isso acho tão importante ter gente lá que possa fazer um relato independente do que transcorreu durante a convenção. Se houve censura ou não, se foi possível discutir livremente com os fãs e autores chineses.

Em breve saberemos.

O panda-robô mascote da convenção

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2 thoughts on “Chengdu Worldcon 2023 – Uma Prévia
  1. Acho que independente da ideologia política do país que sedia o evento, não se deve boicotar o evento pois os participantes estão apenas mostrando seu trabalho.
    Não sabia que esse evento existia, muito legal.
    Abs

    1. Pois é. Eles estão esperando tantos fãs chineses, que pra alguns eventos, como a abertura e a premiação do Hugo, vão ter que fazer um sorteio de ingressos. Pra ficar de olho nos números: a convenção de maior público foi em Los Angeles, 1984 (8.300 pessoas). Ano passado, em Chicago, ainda com o problema da pandemia, foram 3.600.

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