A Convenção Mundial de Ficção Científica apresentou os ganhadores deste ano do Prêmio Hugo numa cerimônia luxuosa no Museu de Ficção Científica e Ciência de Chengdu, construído especialmente para o evento deste ano. O grande vencedor foi Nettle and Bone, de T. Kingfisher (pseudônimo que Ursula Vernon usa para assinar seus livros para adultos). Uma jovem princesa faz sacrifícios e conta com a ajuda de um cavaleiro caído em desgraça, uma fada madrinha esquisita, e uma bruxa para tentar salvar a irmã mais velha, casada à força com um príncipe abusivo. Um conto de fadas muito sombrio, da autora do excelente A Queda da Casa Morta, que sai aqui em breve, uma releitura de A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe.
Seanan McGuire ganhou o prêmio de melhor novela, por Where the Drowned Girls Go, sétimo volume da série Crianças desajustadas, que teve os três primeiros lançados por aqui.
Os eleitores chineses deste ano mostraram a força com a premiação de Hai Ya pela noveleta “The Space-Time Painter”. Difícil de ler, porque mesmo para os votantes, os organizadores só disponibilizaram uma cópia em chinês, que tive que passar por um tradutor online. Mas tem seus méritos. Também difícil de ler, mas por outros motivos, é o melhor conto, “Rabbit Test”, de Samantha Mills. Uma cruel especulação sobre os direitos das mulheres, depois que a Suprema Côrte dos Estados Unidos reverteu a decisão que há 50 anos garantia o direito ao aborto.
O vencedor de Melhor Série também já teve seu primeiro volume publicado aqui: Herdeiros do Tempo, de Adrian Tchaikovsky. Merecido para um escritor prolífico e versátil, e que vem escrevendo as melhores Space Operas dos últimos anos.
Criadores chineses ganharam mais dois prêmios: Enzhe Zhao como Melhor Artista profissional, e Zero Gravity Newspaper, de Melhor Fanzine (que uma grande editora chinesa já quer transformar em revista profissional).
Algumas análises ainda são impossíveis de fazer. As planilhas de votação, que deveriam ter sido publicadas sábado de manhã logo após a premiação, ainda não saíram. Assim não sabemos, por exemplo, quantos autores rejeitaram indicações por motivos políticos, como expliquei aqui. Pelo menos o convidado indesejado, o russo Sergei Lukyanenko, não deu as caras, apesar de ainda constar no site oficial como Convidado de Honra. Apenas silêncio dos organizadores sobre o caso.
Em termos de público, parece ter sido um sucesso, embora, novamente, a organização ainda não tenha divulgado os números. Mas as fotos e vídeos em redes sociais mostram um movimento bastante grande, com muitos jovens. A presença de participantes de fora da China parece ter sido pequena – até os vencedores do Hugo, quase todos ausentes. As transmissões online foram caóticas. A plataforma criada para o evento parecia interface de videogame, mas praticamente não funcionava, e travava o tempo todo. Eram dois canais com transmissões online: um para os eventos principais, todos em chinês. Só a cerimônia do Hugo e o encerramento tiveram tradução para o inglês. No outro canal, painéis exclusivamente online, que nem podem ser chamados de painéis: havia apenas um apresentador discorrendo sobre o assunto, sem possibilidade de perguntas do público online. E nos cinco dias, vi apenas cinco palestrantes que se revezavam, cada um deles fazendo umas duas ou três palestras. Eu mesmo cheguei a ser convidado pelos organizadores, talvez só pelo fato de ser brasileiro, o que me deu a impressão de que, a uma semana do início, ainda estavam catando palestrantes. Infelizmente, tive que declinar por causa do trabalho…
Nos próximos dias, teremos relatos de quem esteve lá e poderemos avaliar melhor. Mas no fundo, o que vale é internacionalizar e diversificar cada vez mais o gênero. E política à parte, foi uma grande celebração da Ficção Cientíifica.
Lista completa dos ganhadores aqui.
